Linha do Douro: promessas políticas para o interior... dificilmente são cumpridas

A Linha do Douro é a mais atrasada do plano de modernização ferroviária nacional. Seria mais honesto o poder central assumir que a requalificação da linha não é uma prioridade nacional.

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A informação das Infraestruturas de Portugal veiculada pelo jornal PÚBLICO refere que a eletrificação dos troços ferroviários da Linha do Douro tem datas pouco precisas ou mesmo indefinidas. A eletrificação até à Régua está em fase de contratação, enquanto os projetos e a avaliação de impacte ambiental da modernização do troço entre a Régua e o Pocinho somente estarão concluídos em 2027.

Esta notícia faz da Linha do Douro a mais atrasada do plano de modernização ferroviária nacional. Seria mais honesto o poder central assumir que a requalificação da Linha do Douro não é uma prioridade nacional.

A petição à Assembleia da República de 2019 expressa bem o esforço e o empenho dos durienses neste projeto estruturante para a região. Os estudos para a construção da Linha do Douro foram decretados em 1872, tendo o primeiro troço entre Ermesinde e Penafiel sido inaugurado em 1875. Em 1879 o comboio chegava à Régua, em 1883 atingia a estação do Tua e, finalmente, em final de 1887 a Linha do Douro alcançava Barca d’Alva e era inaugurada a ligação internacional para Salamanca, via La Fregeneda. Contudo, a ligação internacional viria a ser encerrada no início de 1985 e a morte anunciada do lanço entre Pocinho e Barca d’Alva ocorreu em 1988.

Em 2007, os municípios da região criaram a Comissão para a Revitalização da Linha do Douro. Desde aí, muito se disse e pouco se fez! O interesse estratégico de ligar o Porto à rede ferroviária espanhola mantém-se, obviando o congestionamento de outras linhas, tem o perfil adequado ao transporte de mercadorias e pessoas. No plano turístico, a Linha do Douro permitirá conectar quatro patrimónios da humanidade: cidade do Porto, Alto Douro Vinhateiro, Côa e Salamanca, com óbvio impacto no desenvolvimento turístico do Norte de Portugal.

Pelo “andar da carruagem” percebe-se que a coesão territorial não é preocupação do poder central!

Em 2017, o Governo e a IP invocaram razões de natureza técnica para o atraso; mais tarde, a pandemia não terá permitido que o projeto fosse enquadrado no Portugal 2020. Foi lançado novo concurso, contudo, a informação continua a ser escassa. Para o interior, promessas políticas dificilmente se transformam em realidades! E não parece que as questões de coesão territorial sejam preocupações do poder central!

Este projeto constitui uma fraca prioridade também pelos restringimentos ao nível do financiamento, o qual não está previsto no novo quadro comunitário para o troço do Pocinho até Barca d’Alva, devendo então ser assegurado pelo Orçamento de Estado ou outras fontes de financiamento.

É essencial pensar em soluções alternativas. Se, sob o chapéu da descarbonização, o Fundo Ambiental tem financiado redes nos maiores centros urbanos, julgo que o interior e a Linha do Douro mereciam idêntico tratamento. Centrar a alocação de fundos apenas nos principais centros urbanos e nas regiões mais desenvolvidas está longe de ser uma solução socialmente justa e comporta fortes custos no futuro.

Pela sua relevância, este tema deve ser objeto de discussão pelos partidos políticos e pelos candidatos a novos representantes da região para o novo ciclo de governação que se avizinha. É tempo de apresentar propostas que, num contexto de acelerada transformação da sociedade, possam garantir um processo efetivo de convergência do Douro.

Os sucessivos atrasos alimentam a descrença no papel do Estado e no compromisso com a coesão territorial, para além das consequências em termos de desenvolvimento económico. Relembro que a falta de investimento na ferrovia contribui para agravar o esvaziamento e consequente envelhecimento da população, a que se associa uma natural perda de confiança e de atratividade da região. Pergunto, será este o país que coletivamente pretendemos?

Temo que a modernização completa da Linha do Douro seja mais um projeto estruturante para um interior adiado, com consequências nefastas para as gerações vindouras. Desenvolver o interior é desenvolver o país.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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