Grupo Música Nova: uma nova missão narrada em Braga

Esta quarta-feira, o compositor Cândido Lima revisita, em Braga, o primeiro concerto do Grupo Música Nova (GMN), colectivo que fundou nos anos 70 para a divulgação da música contemporânea.

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Grupo Música Nova nos Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea, em 1988 dr
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Cândido Lima apresentou o GMN um pouco por todo o país, mas também em Paris Pedro Junqueira Maia
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Corria o ano de 1975 quando o compositor Cândido Lima (Viana do Castelo, 1939) reuniu um grupo de músicos portugueses – Eduardo Lucena (flauta), Américo Aguiar (clarinete), Ilídio Costa (fagote), Alberto Gaio Lima (violino), Carlos Voss (percussão) consigo próprio (ao piano) para a interpretação e divulgação de música contemporânea. Chamava-se Grupo Música Nova (GMN) e deu o seu primeiro concerto um ano depois. É esse concerto que esta quarta-feira é revisitado nos claustros do Edifício dos Congregados, no Departamento de Música da Universidade do Minho, em Braga. Já lá vamos.

Esse programa inaugural parece-nos já de Música Antiga. Mas se Schönberg (1874-1951), Berg (1885-1935) e Varèse (1883-1965) não eram ainda “clássicos”, menos o seriam Henri Pousseur (1929-2009), Helmut Bieler (1949-2019) e Charles Boone (1939), ou o português Amílcar Vasques Dias (1945). Embora muitos sejam ainda os nossos contemporâneos que estranham estas músicas “não-tonais”, o cenário é hoje substancialmente diferente, havendo grupos profissionais, como o Remix Ensemble Casa da Música, que desenvolvem actividade regular no domínio da interpretação de música contemporânea.

É no âmbito da exposição fotográfica e documental Os Grupos Portugueses de Música Contemporânea fundados por Compositores da Geração de 60, com curadoria de Pedro Junqueira Maia e patente nos claustros do Edifício dos Congregados, que Cândido Lima se junta esta quarta-feira, às 17h30, a um grupo de estudantes do mesmo departamento para reinterpretar o concerto de estreia do GMN, realizado em Novembro de 1976 no Ateneu Comercial do Porto.

Partilha musical

A partida de Cândido Lima para Paris, em 1975, enquanto bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Secretaria de Estado da Cultura, fez o compositor vacilar quanto à pertinência do grupo. “A existência de outros esforços, nomeadamente dos compositores Jorge Peixinho e Álvaro Salazar [que criaram, respectivamente, o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa e a Oficina Musical], fizeram-me pensar que aquele espaço [de divulgação da música contemporânea] já estaria preenchido. Mas acabei por constatar que os programas apresentados não colidiam com o que me propunha realizar com o GMN”, refere Cândido Lima ao PÚBLICO.

O grupo foi constituído juridicamente em 1988, por sugestão de Carlos de Pontes Leça, da Fundação Calouste Gulbenkian, “por questões puramente administrativas”. Razões do mesmo foro levaram a que, em 2013, se pusesse termo à sua existência legal, continuando o projecto “como entidade romântica, na medida em que é um projecto idealista, de partilha, de cumplicidade”.

O GMN apresentou-se um pouco por todo o país, mas também em Paris, destacando-se a sua participação na série Sons e Mitos (que Cândido Lima desenvolveu para a RTP) e em edições dos Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea, a partir de 1988. Foi o primeiro grupo a tocar em Portugal música de diversos compositores, entre os quais a finlandesa Kaija Saariaho (1952-2023) e Iannis Xenakis (1922-2001). Após a extinção formal, o grupo apresentou-se ainda em Viana do Castelo, no Teatro Sá de Miranda, na apresentação do álbum discográfico duplo Para Além das Árvores, num encontro organizado pelo Departamento de Matemática da Universidade do Porto (Casa da Música) e nos 1.ºs Reencontros de Música Contemporânea (este último recriando o concerto inaugural do grupo, no Teatro Aveirense).

A paixão de Cândido Lima pelo ensino e pela partilha musical fez com que o GMN desenvolvesse trabalho com jovens intérpretes ainda em formação, como acontecerá nesta quarta-feira, num concerto que conta com alunos do Departamento de Música que trabalharam sob orientação do fundador e alma do colectivo. Juntamente com o flautista Hugo Coelho, a clarinetista Jael Cohen, o pianista Diogo Castro, o fagotista João Lopes e a percussionista Beatriz Santos, Cândido Lima apresenta-se ao piano com obras dos compositores acima referidos, partilhando a música e muitas das histórias com que tem maravilhado gerações de músicos e ouvintes em formação.

A exposição paralelamente à qual este concerto decorre é, como o título indica, dedicada aos grupos que foram fundados por figuras maiores da composição na segunda metade do século XX português: o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, fundado em 1970 por Jorge Peixinho (1940-1995); o Grupo Música Nova, de Cândido Lima; a Oficina Musical, fundada em 1978 por Álvaro Salazar (1938): e o ColecViva, criado por Constança Capdeville (1937-1992) em 1983. O mais antigo dos quatro, curiosamente criado pelo mais novo dos compositores, é ainda bastante activo e apresentou-se em Braga, a 17 de Janeiro, na abertura da referida exposição, acrescentando à replicação do seu programa inaugural a estreia absoluta de uma obra encomendada a Luís Antunes Pena (1973).

Terão a Oficina Musical de Álvaro Salazar e o ColecViva de Constança Capdeville direito a tratamento semelhante num futuro próximo? Sendo estes quatro grupos objecto de investigação de Pedro Junqueira Maia, é natural que os restantes colectivos venham a ser recordados com música ao vivo, não havendo, no entanto, qualquer data ou modelo de actividade previstas.

Certo é que a semente lançada por esses quatro compositores na interpretação e divulgação de nova música de câmara brotou e se encontra bem viva em gerações de excelentes músicos que se organizam em diversos projectos, cada vez menos subjugados à liderança carismática de um compositor.

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