Médicos do Hospital de Cascais alertam para falta de condições na neurologia

Médicos anunciam a entrega de declarações de escusa de responsabilidade por falta de condições de segurança na prestação de cuidados. Bastonário da Ordem dos Médicos visita hospital.

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Hospital de Cascais é gerido por uma parceria público-privada Nuno Ferreira Monteiro
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Um grupo de médicos do Hospital de Cascais anunciou a entrega de declarações de escusa de responsabilidade por falta de condições para assegurar as condições de segurança na prestação de cuidados adequados aos doentes do foro neurológico. O Hospital de Cascais garantiu hoje que está assegurada a prestação de cuidados a todos os utentes. Bastonário da Ordem dos Médicos visita unidade na quarta-feira.

Numa carta aberta dirigida à tutela da saúde, ao bastonário da Ordem dos Médicos e à Direcção Executiva, divulgada esta terça-feira pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM), os mais de 20 especialistas em Medicina Interna do Hospital de Cascais, uma parceria público-privada, dão conta da "grave diminuição da capacidade assistencial.

"Desde Agosto de 2023 que se tem vindo a assistir a uma diminuição da capacidade assistencial do Serviço de Neurologia deste hospital, fruto da saída de vários médicos neurologistas desta instituição, inclusivamente com risco de perda da idoneidade formativa", alertam.

Na carta, os especialistas explicam que, actualmente, o Serviço de Neurologia "é formalmente composto apenas por uma médica, que apresenta horário reduzido, não tendo capacidade para assegurar internamento (...), ou sequer apoio adequado à urgência ou ao internamento das restantes especialidades".

"Existem ainda outros dois médicos que colaboram como prestadores de serviço apenas na prestação de consultas, mas ainda assim com manifesta incapacidade para suprir a necessidade de seguimento dos doentes com patologia deste foro, nomeadamente de doenças com elevada prevalência como as doenças cerebrovasculares, epilepsia e síndromas demenciais", acrescentam.

Os médicos adiantam que existem várias doenças do foro neurológico com diagnóstico e tratamento com as quais os internistas "não estão familiarizados", sublinhando: "o facto de sistematicamente assumirmos a tomada de decisão em relação ao seguimento destes doentes é francamente deletério para os mesmos".

Para tentar encontrar solução, os médicos pedem a criação de um protocolo de articulação com outro hospital ou Unidade Local de Saúde com capacidade para prestar este tipo de cuidados diferenciados aos doentes com patologia do foro neurológico afectos à área de residência do Hospital de Cascais até que esta capacidade esteja novamente garantida.

Lembram que estas preocupações já foram "por várias vezes" transmitidas à direcção clínica e ao conselho de administração do Hospital de Cascais, "sem que tenha resultado alguma alteração". Por isso, insistem, os internistas do Hospital de Cascais vêem-se obrigados a assumir a escusa de responsabilidade "em relação ao diagnóstico e tratamento da patologia potencialmente do foro neurológico nos doentes que recorrem a este hospital", sublinhando que não estão asseguradas as condições para prestação dos cuidados adequados a estes doentes.

O Hospital de Cascais garantiu que está assegurada a prestação de cuidados a todos os utentes, nomeadamente na área de neurologia, através da rede de referenciação do Serviço Nacional de Saúde, "sempre que necessário".

"O Hospital de Cascais reitera o seu total compromisso com a segurança na prestação de cuidados da população, mantendo o apoio da Neurologia aos doentes que acorrem ao hospital, fazendo uso da rede de referenciação definida pelo Serviço Nacional de Saúde, sempre que necessário e conforme previsto", afirmou a unidade numa nota de esclarecimento divulgada na sequência de um alerta de um grupo de médicos para a falta de condições no serviço de Neurologia

Bastonário visita hospital

O bastonário da Ordem dos Médicos manifestou-se preocupado com as denúncias e vai reunir-se na quarta-feira com os clínicos. Em declarações à agência Lusa, Carlos Cortes disse ter recebido denúncias há algumas semanas, que considerou "suficientemente preocupantes" para o levar a deslocar-se àquele hospital.

"Efectivamente, foram reportadas dificuldades (...), mas eu gostaria de falar com os médicos directamente, tentar perceber as dificuldades e, efectivamente, avaliar se essas dificuldades se transpõem também para a parte assistencial e para a parte formativa. Tenho de fazer essa avaliação amanhã no terreno", acrescentou.

Ao divulgar a carta, a FNAM, em comunicado, sublinha que a desagregação de equipas e perda de capacidade formativa de futuros especialistas "resulta da incapacidade em promover medidas que contribuam para a fixação de médicos".

Após 14 anos a gerir a parceria público-privada (PPP) do Hospital de Cascais, a Lusíadas Saúde desistiu do novo concurso, em 2022, por já não estar garantida a sustentabilidade económica.

Numa entrevista ao jornal Negócios na segunda-feira, o presidente executivo do Grupo Lusíadas Saúde explicou que o novo contrato adicionou um conjunto de valências e novas áreas de influência, que tornavam as contas deficitárias. O concurso acabou por ficar para os espanhóis da Ribera Salud.

O CEO da Lusíadas Saúde alertou para o risco de ter um operador espanhol "sem qualquer presença em Portugal" a gerir um hospital do Serviço Nacional de Saúde (SNS), sublinhando tratar-se de uma entidade "com muito pouca capacidade de reter profissionais em Portugal e de atrair novos profissionais, porque só tem o Hospital de Cascais".

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