A autonomia universitária e a FDUL no futuro de Portugal

Propomos uma reforma que permita às Escolas escolher o seu modelo de governo, reforçando a democracia interna, com os eleitos a encontrar, no quadro da lei, as melhores soluções para a sua faculdade.

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A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) é uma Escola com 110 anos de vida institucional a ensinar gerações sucessivas de juristas, responsável por dar um contributo reconhecido para a democracia e o desenvolvimento da sociedade portuguesa, nas várias áreas em que os seus diplomados atuam.

Desde a sua origem, após a implantação da República, a FDUL viveu intensamente os momentos mais relevantes da História recente de Portugal, os altos e baixos desse percurso rico e complexo, que ficou registado na sua crónica institucional, nos documentos do seu arquivo histórico, nas memórias de docentes e alunos, nos escritos daqueles que viveram os episódios mais marcantes, nos efeitos políticos das lutas estudantis, na participação política dos seus diplomados e professores, nas notícias e opiniões que se publicaram com origem na nossa Escola.

O presente é, no entanto, o momento em que, conhecedores da tradição, responsáveis pela inovação e comprometidos com a instituição, temos de tomar as decisões mais difíceis, assumir as ruturas necessárias, procurar manter as linhas de continuidade, respeitar a obra dos que nos precederam e colocar a FDUL no futuro de Portugal.

Fazê-lo hoje, com êxito – em diálogo com docentes, estudantes e funcionários, com compromissos imprescindíveis para o êxito das medidas renovadoras e sem deixar ninguém de fora nas reformas a implantar, cuidando dos mais frágeis, dando visibilidade aos até aqui invisíveis na nossa comunidade e dando atenção e relevância às causas e aos temas que preocupam a sociedade portuguesa e dos quais uma Escola de Direito não se pode manter afastada ou indiferente, em ambiente de crescente perda de autonomia e de capacidade decisória própria dos seus eleitos para enfrentar os problemas e resolvê-los de forma justa, adequada e eficaz – é difícil, senão mesmo impossível.

A FDUL, pela pena e a voz do Professor Jorge Miranda, então diretor da Escola, defendeu a Lei de Autonomia Universitária que uma reforma legislativa – afastada do direito universitário e da nossa realidade escolar – revogou. A Escola perdeu essa batalha. A autonomia ficou sem alcance institucional e significado político, reduzida que está ao exercício de competências delegadas e ao cumprimento de obrigações regulamentares das direções gerais e das reitorias. A situação é insustentável para uma faculdade de Direito que é muito mais que uma “unidade orgânica” a organizar “unidades curriculares”.

As faculdades estão rodeadas de uma teia normativa regulamentadora, prolongada por programas informáticos que a concretizam em “decisões técnicas” e labirintos burocráticos que impedem deliberações e decisões rápidas, justas, fundamentadas e fundadas em normas legais aplicáveis, adequadas aos problemas que surgem no quotidiano escolar, pelos eleitos para os órgãos de governo pela comunidade escolar. O que foi apresentado como um conjunto de garantias no exercício de direitos transformou-se numa barreira que obsta ao seu adequado exercício e às finalidades que orientaram a sua criação, desacreditando a democracia interna e a sua eficácia, reduzindo os decisores a burocratas e as eleições a formalidades sem importância, porque pouco permitem aos eleitos na sua cada vez mais reduzida esfera própria de decisão.

Fiéis aos princípios da Escola Pública e às expectativas que a sociedade nela deposita propomos uma reforma legislativa que permita às Escolas escolher o seu modelo de governo, reforçando a democracia interna e confiando que os eleitos em cada faculdade, em obediência à lei, encontrem as melhores soluções regulamentares e as decisões mais adequadas a problemas que são específicos de cada Escola, resistindo a uniformizações normativas totalitárias que não servem os interesses de alunos e professores, nem valorizam a participação dos estudantes.

As medidas de fundo e as reformas estruturais, cada vez mais urgentes, requerem um orçamento capaz de as concretizar, mas a insuficiência de receitas, para ir pouco além do mero funcionamento com o mínimo de dignidade institucional, obriga a opções que excluem o investimento imprescindível para garantir qualidade. O orçamento é curto para contratar o número de professores necessários para garantir o ensino em avaliação contínua; abrir carreiras de investigação em centros da faculdade financiados nos seus projetos de investigação pela classificação de excelência; introduzir meios de tecnologia digital na aprendizagem; manter o ensino pós-laboral; proceder à transição geracional; apoiar a formação profissional de funcionários e pedagógica de docentes; reforçar a internacionalização, a cooperação com a CPLP, os projetos de extensão universitária e por aí afora.

Com um passado contado a várias e diferentes vozes (como deve ser feita a História) e um presente feito de distintas propostas para os caminhos a seguir na Escola, cultivando a diferença e a divergência na sua vida política interna, procurando prevenir a discriminação e o abuso, censurando com firmeza comportamentos, palavras e atitudes hoje inaceitáveis, levando a Escola para fora dos seus muros e trazendo a sociedade para dentro da faculdade, o futuro exige determinação programática, clareza de objetivos, decisões participadas e lideranças seguras.

Hoje a FDUL vive um desafio institucional refundador na sua missão de ensino jurídico que está muito além dos seus muros e da possibilidade dos eleitos para os órgãos de governo da Escola. A sociedade portuguesa deve saber isso e responsabilizar os políticos, com competências legislativas e executivas, para a urgência de uma reforma em prol da autonomia universitária e das faculdades que, a não ser feita, dificultará a missão da universidade, a transmissão do conhecimento por profissionais do ensino universitário, a formação de estudantes que não sejam apenas alunos e de juristas capazes de defender a cidadania, a democracia e a justiça através do direito. Só com a autonomia de que precisa a FDUL poderá estar, como tem de estar, no futuro de Portugal.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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