“Era importante ter um estudo sobre abuso sexual de crianças na população portuguesa”

INE informa que análise da dimensão de abusos que será feita à sociedade em geral não terá na base a realização de um novo inquérito. Socióloga reforça importância de estudo transversal.

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Socióloga Ana Nunes de Almeida defende estudo alargado aos espaços de socialização da criança Reuters/EDDIE KEOGH
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Os mais de 1700 crimes sexuais contra crianças e jovens registados pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) em 2023 dizem pouco sobre a realidade escondida dos abusos sexuais na sociedade portuguesa em geral. “Era muito importante termos um estudo sobre abuso sexual de crianças e jovens na população portuguesa até para saber qual era a percentagem [destes crimes ocorridos] na família, na Igreja, em instituições de socialização, com número suficiente de respondentes que permitisse fazer cruzamento interessantes”, defende a socióloga Ana Nunes de Almeida.

A também co-autora do relatório Dar Voz ao Silêncio, que há um ano estimava em 4815 os menores alvo de abusos sexuais no contexto da Igreja Católica em Portugal nos últimos 70 anos, insiste, por isso, na necessidade de se fazer avançar um estudo alargado aos espaços de socialização da criança.

Esta era, aliás, uma das recomendações contidas no relatório, na sequência do qual a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, incumbiu a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) de coordenar essa investigação.

Nesta semana, e tal como o PÚBLICO noticiou, o organismo liderado por Rosário Farmhouse garantiu que o estudo está a ser realizado, em articulação com o Instituto Nacional de Estatística (INE), “prevendo-se a sua conclusão até ao final do ano”.

Questionado pelo PÚBLICO, o INE explica, em resposta escrita, que não se trata da realização de um novo inquérito, mas de uma análise mais detalhada dos dados sobre a violência na infância do Inquérito à Segurança no Espaço Público e Privado (ISEPP, 2022)”.

No contexto desta operação estatística, a violência na infância compreende actos de violência física e psicológica, ou abusos físicos e emocionais, dos pais para com as crianças, e actos de violência ou abuso sexual por parte de qualquer pessoa, dentro ou fora da família”, informa ainda.

Ana Nunes de Almeida alerta para que, apesar de ter “informação interessante”, este estudo “será sempre limitado porque foi feito a pensar não no abuso sexual, mas na segurança nos espaços públicos e privados, e não está focado no abuso sexual. Algo que seria importante até para a definição da amostra. “A amostra representativa para fazer um estudo sobre abusos sexuais na infância tem de ter determinadas características para haver a probabilidade de apanhar casos, porque, caso contrário, ficam diluídos num mar de informação e não se consegue propriamente fazer um estudo muito pormenorizado, não se conseguem cruzar variáveis, por exemplo”, explicava a socióloga há uma semana ao PÚBLICO, quando se assinalou um ano da publicação do relatório sobre os abusos sexuais na Igreja.

É por isso que os dados recolhidos pela APAV alertam para essa mesma necessidade, uma vez que os números não falam por si e precisam de ser contextualizados.

O destaque já publicado pelo INE relativo ao ISEPP permite, ainda assim, apurar que mais de 176 mil (2,3% da população) pessoas foram vítimas de abusos sexuais na infância, por parte de qualquer pessoa.

A violência contra crianças observada no ISEPP inclui actos de violência física e abusos emocionais sofridos em contexto familiar, com os pais, ou figuras parentais, bem como actos de abuso sexual que possam ter ocorrido em diferentes contextos, incluindo na casa da criança, na escola, na comunidade ou na Internet”, elucida aquela publicação.

A proporção de mulheres que referiram ter sido vítimas de violência na infância é superior à dos homens (19,4% e 17,6%, respectivamente), particularmente suportada pela diferença observada na violência sexual, referida por 3,5% das mulheres, percentagem que compara com 1,1% dos homens. Em ambos os casos, os agressores referidos foram essencialmente homens.

O grupo etário dos 35 aos 54 anos registou a proporção mais elevada de vítimas de violência sexual na infância (3,1%), seguido da população mais jovem, com idade dos 18 aos 34 anos (2,2%).

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