Juiz iliba ex-dirigentes da Santa Casa e critica MP: “Acusação é coxa”

Acusação falava num esquema de adjudicações fraudulentas. Juiz de instrução diz que parte dos crimes já tinha prescrito quando aquela foi deduzida.

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Santa Casa da Misericórdia de Lisboa dro Daniel Rocha
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Vários ex-dirigentes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa foram esta segunda-feira ilibados de crimes económico-financeiros. Acusados de lesar a instituição através de um esquema de adjudicações fraudulentas de bens e serviços, que remonta há quase década e meia, os arguidos respondiam pelos crimes de participação económica em negócio e abuso de poder. O juiz de instrução criminal responsável pela decisão deixou duras críticas à investigação feita pelo Ministério Público neste caso.

Esta segunda-feira o juiz de instrução criminal Nuno Dias Costa decidiu não remeter nenhum dos arguidos para julgamento, apesar de, no seu entender, “saltar aos olhos que houve concertação” entre os arguidos para beneficiar determinados fornecedores. “Porém, o Ministério Público não investigou se os bens e serviços fornecidos podiam ter sido fornecidos a um preço inferior” ao que foi pago a estas firmas, lamentou o magistrado. “Não foi feita uma perícia” para apurar em que montante teria sido prejudicada a Santa Casa, criticou.

“Foi uma investigação incompleta. Ou, em linguagem comum, coxa”, observou ainda Nuno Dias Costa, chamando a atenção para o facto de o crime de participação económica em negócio se encontrar “há muito prescrito” quando foi deduzida a acusação. Por outro lado, disse ainda, os dirigentes da Misericórdia não detêm, à luz da lei, estatuto de funcionários, razão pela qual não lhes pode ser assacado o crime de abuso de poder.

A Santa Casa pedia mais de 1,7 milhões de euros a três dos dez suspeitos. A vogal responsável pelo pelouro da saúde da instituição entre 2011 e 2019, Helena Lopes da Costa, que foi deputada pelo PSD, foi acusada de ter entregado mais de três dezenas e meia de contratos a outro militante do mesmo partido, Fernando Catarino, para o fornecimento do mais variado género de bens, de material médico a equipamentos de ar condicionado, nos primeiros tempos do seu mandato. Este, por seu turno, chegou a admitir ter criado uma rede de empresas-fantasma para conseguir ultrapassar os valores máximos da contratação pública por ajuste directo.

Para estas empresas trabalhava um socialista que está à frente da Junta de Freguesia de Alcântara e também dirigia a concelhia do PS de Lisboa, Davide Amado. Na sequência da acusação de participação económica em negócio e abuso de poder de que foi alvo, juntamente com os outros arguidos do processo, o autarca demitiu-se da concelhia. Neste momento é candidato a deputado, estando em 16º lugar pelo círculo eleitoral de Lisboa.

Do rol de dirigentes da Santa Casa aos quais são imputadas responsabilidades criminais fazem ainda parte Paulo Calado e Paes Afonso, sendo este último militante do CDS. Tal como os dirigentes da Santa Casa, todos os restantes arguidos foram igualmente ilibados.

A assessora de Helena Lopes da Costa – que a certa altura iniciou uma relação amorosa com Davide Amado – assegura que foi sempre por indicação da vogal que indicou para os fornecimentos as empresas de Fernando Catarino. Só que essas indicações eram sempre verbais, porque a social-democrata não usava o computador de serviço, razão pela qual não existem provas dessas ordens, alega a jurista, que o Ministério Público garante, no entanto, ter agido sempre em conluio com a sua superior hierárquica. Já Helena Lopes da Costa garantiu vezes sem conta que eram os serviços e não ela quem escolhia as empresas a contratar, nomeadamente um director clínico entretanto falecido.

Certo é que algumas das firmas tinham escasso tempo de existência quando foram convidadas pela instituição para efectuarem fornecimentos. Pelo menos num caso a entrega do negócio é alvo de um despacho na Santa Casa antes de a adjudicatária ter sequer “nascido” na conservatória do registo comercial. A sobrevivência de parte destas sociedades dependia em grande medida desta instituição. E houve funcionários a queixarem-se à Polícia Judiciária da má qualidade dos materiais fornecidos e da falta de especialização destas firmas. Uma delas, por exemplo, actuava em áreas de actividade tão distintas como as telecomunicações, os equipamentos médicos e o ramo turístico.

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