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Não há um único país no mundo em que o hábito de leitura não esteja a registar um crescimento consistente, principalmente nas camadas mais jovens da população.

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A grande maioria dos encarregados de educação vê as redes sociais e o poder de hipnose que exercem sobre os mais jovens como as grandes vilãs da sociedade moderna. Mas será que não podem ter outro papel nesta história e até servir como estímulo à leitura?

Incomodados pelo tempo que os adolescentes dedicam ao TikTok e Instagram, os adultos apontam os ecrãs como os grandes responsáveis por um suposto isolamento social e desconexão da vida real. No entanto, a "vida real" não é um conceito estático, congelado no tempo, mas algo redefinido a cada geração. Apesar do mal que o vício das redes, como qualquer vício, causa aos adolescentes, é importante compreender que toda a moeda tem dois lados.

Para as gerações nativas digitais, a "vida real" inclui os universos por detrás dos ecrãs. Inclui a possibilidade de se conectarem com inúmeros outros jovens e adolescentes espalhados pelos cantos mais distantes do planeta, uma forma de conexão com capacidade de enriquecimento intelectual, individual e coletivo inédita na história da Humanidade. Inclui também novos riscos, é claro, mas também novas oportunidades para desenvolver hábitos de vida muito melhores do que a média das gerações anteriores. O hábito de leitura talvez seja o melhor exemplo.

Não há um único país no mundo em que o hábito de leitura não esteja a registar um crescimento consistente, principalmente nas camadas mais jovens da população. Um estudo da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), conduzido pela GfK, indicou que o segmento inteiro cresce, essencialmente, devido aos mais jovens: leitores com idades entre 15 e 34 anos são responsáveis, hoje, por quase 30% do total de vendas de livros em Portugal. Outro estudo, do britânico The Independent, divulgado em 2023, apontou que, em apenas um ano, o volume de livros lidos por crianças disparou 24%.

Existe, de facto, uma relação íntima entre o crescimento do hábito de leitura e o poder das redes sociais. A recomendação de livros via TikTok é tão intensa que o termo "BookTok" tornou-se comum no mercado como um todo. Através da rede, os mais jovens influenciam-se uns aos outros sobre que tipo de livro ler, o que tem alterado o próprio perfil de formação cultural de toda uma geração. 48% por cento dos usuários de TikTok, por exemplo, leem mais livros hoje do que antes de entrarem na rede. São 185 mil milhões de visualizações de conteúdos com recomendações de livros por ano que, de acordo com a Wordsrated, geram o equivalente a quase 3% de todas as vendas do setor – um número que só tende a crescer. Outro estudo, da Publisher’s Association, apontou que 59% das pessoas com idade entre 16 e os 25 anos readquiriram o hábito de leitura graças a esta rede social.

Não faltam números e estudos que indicam a relação entre o uso de redes sociais e o crescimento dos hábitos de leitura. São registos de uma nova era uma era em que a sede por histórias, conteúdo e informação é praticamente ilimitada e gerada por uma rede poderosa de influência que nasce nos pixels dos ecrãs e se consolida nas páginas dos livros.

Uma era que, embora não esteja isenta de seus perigos próprios e peculiares, tem impulsionado a maioria dos jovens não para a alienação social, como pregam tantos adultos com as suas crenças pessoais nem sempre alinhadas a estatísticas práticas, mas sim para uma jornada de crescimento intelectual como nenhuma outra geração testemunhou.

Assim, talvez a Internet e as redes sociais não devam ser encaradas pelos pais como demónios malignos a serem exorcizados a qualquer custo, mas sim como elementos fundamentais de um novo tempo elementos que, embora devam ser devidamente controlados (assim como qualquer outro "ingrediente" educacional, diga-se de passagem), têm o poder de enriquecer a bagagem intelectual e cultural dos nossos jovens como nenhum outro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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