Pedro Nuno Santos, Paes Mamede e as escolhas do Estado

O Estado pode ter algum papel na economia? Pode. Mas não aquele que parece estar a ser defendido pelo PS.

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É muito interessante ler os argumentos que pessoas inteligentes desenvolvem a propósito da principal promessa política de Pedro Nuno Santos: pôr o Estado a apostar em empresas e setores com capacidade de arrastamento da economia.

É o caso de Ricardo Paes Mamede. Não o conhecendo pessoalmente, respeito o que pensa e escreve. E tenho uma adesão de princípio à sua ideia de que um economista não se enquadra com rótulos de esquerda ou de direita, mas antes de acordo com a sua disposição para aceitar, ou rejeitar, o pressuposto de que uma teoria económica eficaz deve ser aberta e permeável às circunstâncias, na medida em que resulta de uma equação complexa com muitas variáveis que influenciam os possíveis resultados.

Paes Mamede, portanto, é dos que aceitam o postulado que, em economia e política, não existem soluções perfeitas. Há apenas melhores soluções, de acordo com as circunstâncias.

Segundo ele, a promessa política de Pedro Nuno Santos nada tem que ver com planificação à moda soviética. Concordo completamente.

Pedro Nuno Santos estará apenas a defender que se aplique em Portugal o que a União Europeia já faz há muito – priorizar setores económicos através do acesso a subsídios. Discordo completamente.

Priorizar setores por via de incentivos públicos já se faz em Portugal e, é justo dizê-lo, é uma arte que não piorou com o Partido Socialista no Governo. Pelo contrário: a reconfiguração do Banco Português de Fomento, e a forma como aproveitou os fundos do PRR, mostra como a política pode priorizar eficazmente objetivos económicos (capitalização e consolidação de empresas) sem limitar a ação livre dos agentes do mercado. Porém, o que o candidato socialista está a propor é uma intervenção mais musculada, decidindo para que empresas e para que setores deve o dinheiro ser canalizado.

Paes Mamede, percebendo isso, acrescenta exemplos de países, como o Japão ou os Estados Unidos, em que são evidentes os setores em que o Estado aposta. Discordo novamente: tanto num país como no outro, aquilo que se passou não é exatamente o que Pedro Nuno Santos parece defender.

Nos EUA julgo que Paes Mamede se refere, e muito bem, à mudança de paradigma do pós-guerra, quando o Estado se empenhou em mudar de uma economia centrada na produção de grandes instrumentos militares (o filme Openheimer fala de um desses instrumentos) para uma economia que, centrada nesse conhecimento, se focasse na inovação aberta – e com isso nasce na Agência de Investigação de Projetos Avançados de Defesa (a célebre DARPA) a Arpanet, o princípio da internet.

No Japão também não foram exatamente as ideias do líder socialista que foram aplicadas quando o Governo promoveu a chamada “consolidação Kairetsu”. O que queriam era privilegiar a hipereficiência empresarial e o compromisso total com o não menos célebre método Kaizen de melhoria obsessiva dos processos de trabalho para aumentar a produtividade.

O que devolve esta discussão ao essencial: o Estado pode ter algum papel na economia? Pode. Mas não aquele que parece estar a ser defendido pelo PS.

Regresso a Stuart Holland, sobre quem já escrevi no passado, e que Paes Mamede e o PS conhecem. Este economista (julgo que ainda hoje “visiting professor” na Universidade de Coimbra), mais à esquerda do que à direita, é autor de obras emblemáticas como The State as Entrepreneur. É um livro de 1972, de que guardo uma cópia valiosa, em que Holland se dedica a analisar mecanismos de intervenção do Estado sobre a economia.

Mais interessante para o caso, no entanto, é um “paper” que escreveu em 2021. Nele, Holland parece falar para esta campanha para as legislativas de 10 de março, explicando vários exemplos de intervenção pública para concluir o seguinte: o Estado não deve perder tempo com a eficiência económica das empresas. Isso é com elas. É preferível que se concentre na eficiência social.

A eficiência económica, resume ele, diz respeito à inovação de mercado, às preferências dos consumidores, a mais produtividade por hora de trabalho – e até a alguma frieza na forma como os governos devem reagir ao desemprego cíclico ou tecnológico.

A eficiência social, continua, é outra coisa: diz respeito à inovação social, às preferências sociais como a saúde, a educação e o ambiente, ao emprego socialmente útil ou à constatação de que nem todos os setores da sociedade precisam de ser hipereficientes.

Estão a ver a diferença? Holland defende que o Estado deve fazer escolhas, mas as escolhas que lhe competem. Não decidir para que empresas vai o dinheiro público.

Confundir isto é não perceber as diferenças básicas que, há décadas, bons pensadores de esquerda como Holland concluíram.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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