Bruxelas abre novo processo contra a Hungria por causa da lei de defesa da soberania

O diploma aprovado em Dezembro viola a legislação da União Europeia, põe em causa os direitos fundamentais dos cidadãos e compromete o funcionamento da democracia, argumenta a Comissão Europeia.

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Aumenta a pressão da UE para com Órban OLIVIER MATTHYS / POOL
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A Comissão Europeia já enviou uma carta de notificação à Hungria para formalizar a abertura de mais um procedimento de infracção contra o país, na sequência da entrada em vigor da lei sobre a defesa da soberania nacional que choca com a legislação e com a carta dos direitos fundamentais da União Europeia, e “configura um risco para a democracia”.

“A Comissão tem um conjunto de preocupações relativamente a este diploma, que viola a legislação europeia em matéria de democracia e direitos fundamentais, o regulamento da UE para a protecção de dados pessoais, e ainda várias regras aplicáveis ao mercado interno”, resumiu a porta-voz da Comissão Europeia, Anitta Hipper.

A lei de defesa da soberania nacional foi apresentada pelo Governo de Budapeste como uma medida de salvaguarda da influência estrangeira na Hungria, mas foi denunciada pela oposição e por várias organizações não-governamentais por a considerarem uma nova tentativa do primeiro-ministro, Viktor Orbán, de silenciar adversários políticos e condicionar a actividade da academia, dos media e das organizações da sociedade civil.

A legislação, que entrou em vigor a 22 de Dezembro, proíbe o recurso ao financiamento estrangeiro por qualquer indivíduo ou entidade com influência ou intervenção no discurso público, nomeadamente candidatos a cargos públicos, partidos políticos ou associações, prevendo uma moldura de sanções, com penas que podem ir até aos três anos de prisão, para a utilização de fundos provenientes do exterior em contexto eleitoral.

A lei estabelece ainda um novo gabinete de defesa da soberania, que é dirigido por um membro do Governo e tem poderes alargados de investigação das actividades de pessoas singulares ou colectivas que sejam beneficiárias de financiamento vindo do exterior, para determinar se estão a actuar no interesse de actores estrangeiros ou se a atribuição dos fundos é susceptível de influenciar a “vontade” dos eleitores (e consequentemente, os resultados eleitorais).

“A constituição desta nova autoridade com poderes abrangentes e com um regime estrito de monitorização, investigação e aplicação de sanções configura um risco para o funcionamento normal de um Estado democrático”, referiu a porta-voz da Comissão Europeia, assinalando a possibilidade de este gabinete recorrer aos serviços de informação da Hungria para as suas investigações.

Na carta de notificação remetida ao Governo de Budapeste, a Comissão alega que a lei da defesa da soberania nacional “viola os valores democráticos da UE e o princípio da democracia e dos direitos eleitorais dos cidadãos”, bem como “várias disposições do direito primário e do direito secundário da União”.

Segundo Bruxelas, estão em causa direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais, como o direito ao respeito pela vida privada e familiar; à protecção dos dados pessoais; à liberdade de expressão, de informação e de associação; o direito à acção e a um tribunal imparcial; e o direito à não auto-incriminação e ao sigilo profissional.

Enquanto guardiã dos tratados, a Comissão Europeia é responsável por verificar se a legislação e as decisões da UE são respeitadas pelos Estados-membros, e pode actuar sempre que verifique uma infracção ou incumprimento, iniciando um processo que pode culminar no recurso ao tribunal de Justiça da UE.

Depois da notificação da abertura de um procedimento, o Estado-membro tem um prazo de dois meses para enviar uma resposta. Se esta não for considerada satisfatória, a Comissão faz seguir um parecer fundamentado, indicando as medidas que têm de ser tomadas para cumprir a legalidade. Se o Estado-membro não o fizer, o processo é remetido ao TJUE, cujas decisões são vinculativas.

Além de Bruxelas, também a comissão de Veneza, um órgão independente constituído por especialistas em matérias constitucionais do Conselho da Europa (que não é uma instituição comunitária), iniciou uma investigação sobre o conteúdo da lei para a protecção da soberania. A opinião dos peritos será entregue para adopção durante a sessão plenária daquela comissão agendada para 15 e 16 de Março.

Recorde-se que o desrespeito pelas normas do Estado de direito valeram à Hungria a abertura de um procedimento de infracção no âmbito do artigo 7.º do Tratado da UE, em Setembro de 2019, e também a aplicação do mecanismo de condicionalidade, que levou Bruxelas a suspender a transferência de 6,3 mil milhões de euros de fundos estruturais para o país. Até ao momento, a Hungria não corrigiu as “deficiências” identificadas pela Comissão Europeia como pondo em causa a integridade do orçamento comunitário e os interesses financeiros da UE.

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