Um caso de sobrevivência nacional

A disponibilidade de água deve ser objeto de uma política de gestão centralizada, com regras uniformes em todo o território nacional, o mesmo custo/preço para cada tipo de utilização e de consumidor.

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A questão da seca no Algarve tem estado na ordem do dia. Os dados publicados pela Agência Portuguesa de Ambiente e tratados pelo jornal PÚBLICO, referentes ao armazenamento de água nas albufeiras das bacias hidrográficas, são os seguintes:

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Se analisarmos com pormenor os dados, nesta altura, em pleno inverno, que tem sido chuvoso nas regiões Norte e Centro de Portugal, verificamos que, apesar da pluviosidade elevada no Minho, o armazenamento na bacia do rio Ave está significativamente abaixo da média.

O Mondego está com nível inferior à média, embora relativamente perto. Já na região sul de Portugal, há défice no Sado, um valor elevado na bacia hidrográfica do rio Mira (limitada a norte pela bacia hidrográfica do rio Sado, a sul pelo Arade e ribeiras do Barlavento, a Este pela bacia hidrográfica do Rio Guadiana e a Oeste pelo mar), havendo maior incidência no Algarve, por ordem crescente de défice – Arade (entre o Sotavento e o Barlavento algarvios), região das ribeiras do Sotavento (parte este do Algarve, fronteira com Espanha) e Barlavento (parte ocidental do Algarve).

A 31 dezembro de 2023, a metade sul de Portugal continental encontrava-se em seca meteorológica. Caminhando do centro para o sul, os níveis variavam de moderado a severo (nível seca, moderado: distrito de Lisboa, metade sul de Santarém e distrito de Évora, litoral do distrito de Setúbal (+/- 75%) e cerca de 20% do litoral do distrito de Beja; nível de seca, severa: 25% do distrito de Setúbal que faz fronteira com Beja, 80% do distrito de Beja e todo o Algarve.

Se as chuvas pararem, em poucas semanas ou meses praticamente 60% a 75% do território continental estará em seca (além do território já em seca, vão juntar-se as regiões de Trás-os-Montes, Douro, Beira Interior e Ribatejo).

Todos estes dados indicam que a realidade climática está a pôr em causa a inação política quanto à água e a impor que rapidamente se planeie e construa, no máximo em dois a quatro anos, a autoestrada da água potável, ligando os sistemas em alta de norte a sul de Portugal.

Tenho muita dificuldade em aceitar, como cidadão atento, a evolução da realidade do país nesta matéria ao longo dos últimos anos. Existe o perigo de rutura de abastecimento, se a seca persistir por vários anos, por exemplo, em vastas regiões do distrito de Viseu e de Faro.

Há necessidade da aplicação de políticas da água garantindo a preservação da sua qualidade nos aquíferos e massas de água superficiais, reparação das elevadas perdas no sistema de distribuição e abastecimento urbano, indústria e agricultura e generalização da irrigação por gota a gota.

A disponibilidade de água, em função das necessidades, cada dia do ano, é uma área de sobrevivência nacional, pelo que deve ser objeto de uma política de gestão centralizada, com regras uniformes em todo o território nacional, o mesmo custo/preço para cada fim de utilização em si próprio, para cada tipo de consumidor urbano/humano, indústria ou agricultura , medindo todas e cada uma das utilizações, penalizando financeiramente quem ultrapasse o limiar do quantitativo racional aceitável para cada fim.

Esta política também terá foco na poupança e na eficiência do seu uso, concretizadas de forma exemplar pela população, indústria e agricultura, nas práticas individuais e coletivas, com reutilização das águas residuais, urbanas ou industriais, com maior incidência na irrigação. Uma temática que deve ser ensinada desde o ensino básico até aos estudos superiores, passando pelas empresas e instituições.

Priorizar os sistemas de rega gota a gota e sistemas de rega enterrados, os quais, têm uma eficiência de 95% ou mais, junto com a gestão automatizada e digitalizada do respetivo funcionamento. Recorrendo-se à Inteligência Artificial, as plantas recebem o mínimo de água, a necessária e suficiente para sobreviverem e produzirem, praticamente sem perdas ou ineficiências (a rega por alagamento, que ainda se utiliza no nosso país, tem eficiência de 40%).

A retenção da água das precipitações deve ser um objetivo de curto prazo, recorrendo a charcas e barragens, pequenas, médias ou grandes, sob pena, caso não se provisione esta origem da água, de se colocar em causa as produções da agricultura de sequeiro, 80% da superfície agrícola utilizada em Portugal, bem como de os ecossistemas de florestas e matos correrem o risco de morrer e elevar o risco dos fogos rurais após vários anos seguidos de seca.

A dessalinização deverá ser implementada e ganhará quota a sul, no Algarve, e no litoral, de Sagres à Região Oeste, como fonte de água para a agricultura, porque é uma tecnologia de produção de água doce, com custos mais baixos devidos à eficiência energética, por utilização de energia renovável de origem solar.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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