Vergonha impede trabalhadores de se desligarem, indica estudo

A lei portuguesa diz que o trabalhador tem direito a se desligar depois do fim do horário. Mas, indica um estudo, além das más práticas, a vergonha pode estar a impedir que o façam.

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Quando decidem não responder a uma mensagem ou a um e-mail enviado fora de horas, os trabalhadores sentem culpa DR/Thomas Lefebvre via Unsplash
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Após o fim das horas de trabalho, há consenso em considerar que desligarmo-nos das funções laborais nos permite ser melhores no dia a seguir. E, com o aumento do teletrabalho, a lei acompanhou as considerações, impondo a abstenção de contactar trabalhadores no período de descanso. Só que, diz um novo estudo, há quem não consiga fazê-lo sem sentir vergonha e tentar compensar, fazendo “batota” de forma a parecer ter mais carga laboral durante o horário.

O trabalho, publicado no Journal of Applied Psychology, acompanhou cerca de 200 pessoas com um trabalho a tempo inteiro, com o objectivo de observar como geriam o tempo fora do horário laboral. E concluiu que, quando decidiram não responder a uma mensagem ou a um e-mail enviado fora de horas, sentiram culpa.

“Quanto mais os empregados se desligavam à noite, mais vergonha sentiam no trabalho na manhã seguinte”, constataram os autores da investigação, numa análise publicada no Wall Street Journal. Ou seja, explicam, “a experiência que é suposto rejuvenescer os empregados fê-los sentir-se mal consigo próprios”.

Além da vergonha, os investigadores observaram que a decisão de se desligarem do trabalho fora da janela temporal que lhe é dedicada fez com que o comportamento no trabalho se alterasse, mostrando-se mais ocupados do que realmente estavam ou a passarem a imagem de que tinham mais entre mãos do que efectivamente tinham, prejudicando a produtividade, mas também a sua saúde. É que, contextualizam os académicos, este comportamento é a resposta à “ameaça [que sentem] de ficarem para trás”.

“A vergonha motiva os empregados a envolverem-se em comportamentos de batota para inflacionar secretamente o seu desempenho e reduzir a possibilidade de os outros formarem percepções negativas sobre eles.”

Uma das causas, apontam os investigadores, é que quem assume cargos de chefia também não se consegue desligar e envia mensagens aos funcionários fora do horário do expediente. Recentemente, em Portugal, e passados dois anos desde a entrada em vigor do dever de abstenção de contacto, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) informou ter detectado situações de violação da lei.

Mas os sindicatos garantem que esta é apenas uma pequena amostra da realidade, já que, embora a ligação e disponibilidade permanente ser uma realidade em alguns sectores ou empresas, há poucas denúncias formais: “Os trabalhadores têm receio de se expor e de pôr em risco o seu posto de trabalho”, relatou ao PÚBLICO o presidente do Mais Sindicato, António Fonseca.

Para os investigadores, “este tipo de comportamento [de não respeitar o tempo de descanso] indica que o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e o distanciamento não são prioridades organizacionais genuínas”.

E deixam um conselho: “As empresas interessadas em defender o bem-estar devem considerar políticas mais direccionadas, como exigir que os funcionários tirem um certo número de dias de folga ou estabelecer dias de férias obrigatórios que sinalizem claramente que o desapego faz parte do trabalho.”

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