Presidente argentino demite o primeiro ministro do seu Governo

Razão oficial foi o facto de Guillermo Ferraro ter passado para a imprensa declarações ditadas por Milei numa reunião com ministros. Mas a razão pode estar na disputa de poder com o chefe de gabinete.

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Greve geral de 12 horas e protesto multitudinário em Buenos Aires na quarta-feira ENRIQUE GARCIA MEDINA/EPA
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Ao fim de um mês e meio, o Presidente argentino demitiu o seu primeiro titular de um ministério numa semana em que viu os sindicatos encherem as ruas em protesto contra as suas reformas laborais, não consegue arranjar apoios suficientes para fazer passar no Congresso o seu pacote legislativo e se multiplicam as notícias de enfrentamentos dentro dos diferentes níveis do executivo.

Quem sai é Guillermo Ferraro, ministro das Infra-Estruturas, uma superpasta que alberga Transportes, Obras Públicas, Habitação e Comunicações e que será agora desagregada em secretarias de Estado e colocadas sob a alçada do ministro da Economia, Luis Caputo, de acordo com a decisão tomada pelo Presidente, Javier Milei, esta sexta-feira.

Foi o culminar de uma semana conturbada para o novo Governo, que na quarta-feira enfrentou uma greve geral de 12 horas e manifestações multitudinárias em Buenos Aires, que desbordaram as vias adjacentes ao Congresso, numa exibição de força dos sindicatos numa altura em que o Presidente procura angariar apoios para as suas reformas que irão começar a ser discutidas na Câmara dos Deputados, onde as forças que o apoiam estão em minoria.

Diz a imprensa argentina que Milei não gostou de ver tanta gente nas ruas e num ápice afastou duas pessoas, uma de manhã e outra à tarde. Na manhã de quinta-feira foi exonerado o director da Superintendência dos Serviços de Saúde (SSS), Enrique Rodríguez Chiantore, que ficou a saber da sua saída pelo Boletín Oficial, o diário da República.

De perfil técnico e dialogante, Rodríguez Chiantore, com peso na interlocução com os sindicatos por gerir o orçamento dos vários sistemas de previdência dos funcionários públicos, terá sido o bode expiatório da frustração do Presidente. Oficialmente, a explicação dada pelo porta-voz da presidência, Manuel Adorni, é que o titular da SSS “não estava a cumprir os objectivos”.

A explicação oficiosa, e que seria também a razão do afastamento do ministro das Infra-Estruturas, é a disputa de poderes dentro do Governo, com Nicolás Posse, o todo-poderoso chefe de gabinete (equivalente a primeiro-ministro), a consolidar posições, avança o diário Página/12. Rodríguez Chiantore, nome escolhido por Patricia Bullrich (a actual ministra da Segurança, candidata presidencial que ficou em terceiro na primeira volta e apoiou Milei na segunda volta em troca de lugares no Governo), abre assim alas a um homem proposto por Mario Lugones, um dos principais assessores de Posse.

Quanto a Ferraro, o seu destino teria ficado traçado, diz o diário Clarín, ao resistir a nomear para o seu ministério os nomes propostos por Posse, o homem com maior peso no Governo a seguir à irmã do Presidente, Karina Milei, por quem o chefe de Estado emendou uma lei de nepotismo para a poder nomear como secretária-geral da Presidência.

Também aqui a explicação para a saída foi outra, de que teria sido o ministro a fazer passar para a imprensa frases ditas por Milei durante o Conselho de Ministros, em que ameaçou os governadores de lhes cortar as verbas orçamentais para as províncias (“vou deixá-los sem um peso, vou levá-los a todos à falência”) pela falta de apoio à sua Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos, entregue no Congresso na quarta-feira para ser debatida no plenário da Câmara de Deputados, depois de conseguir as assinaturas suficientes nas comissões.

A frase de Milei não difere muito daquilo que o próprio ministro Luis Caputo disse na quarta-feira e veio reproduzido na imprensa: “As dotações para as províncias serão cortadas imediatamente se algum dos artigos for rejeitado.”

"Não se trata de uma ameaça, mas sim da confirmação de que vamos cumprir o mandato que nos foi conferido pela maioria dos argentinos para equilibrar as contas fiscais e pôr fim a décadas de inflação e de flagelo económico", acrescentou o ministro, citado pelo Clarín.

A reforma, conhecida como “Lei Ómnibus” ou autocarro, incluía mais de 600 alterações legislativas em matéria económica, fiscal, energética, penal e eleitoral que acabou por sofrer mudanças no texto original durante as discussões nas comissões para conseguir ser aprovada, tendo em conta que o apoio a Milei é minoritário na Câmara de Deputados. A reforma laboral foi, entretanto, travada pela justiça.

O Governo apresentou o documento garantindo que estava aberto a contribuições, mas não se dispunha a cortar nada do que lá estava, mesmo assim, teve de ceder e, segundo o La Nación, uma centena de artigos propostos na lei acabaram por ser cortados do documento final que vai agora a discussão no plenário. Entre as medidas que o executivo aceitou deixar cair está a privatização da empresa pública de petróleos YPF.

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