Os jovens fogem para o estrangeiro e nós devemos ficar contentes por eles

Se os mais novos sentem o rarear de oportunidades na terra-mãe, só um egoísmo atroz dos instalados os pode prender a um país que não olha por eles.

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Há dias, uma notícia chocante: 30% dos jovens já não moram no país. Debandaram. Desta emigração não se diga que foi voluntária, para não estragar a carga dramática da notícia (uma coisa é saber o que representa tão elevada emigração dos mais novos, outra é interpretar a notícia como uma deserção). Fogem cérebros que podiam ficar por cá a contribuir para uma nação mais próspera. Fogem jovens, confirmando que esta é uma sociedade de calvos e cãs. E nós, que já não pertencemos aos jovens e continuamos na “santa terrinha”, agradecemos ou entregamo-nos a prantos?

Eu digo que é uma boa notícia. De mim não digam, em jeito de libelo acusatório, que sou egoísta e que a minha análise não tem cabimento. Rebato o egoísmo: é uma boa notícia para os jovens que encontram no estrangeiro condições que não têm no país onde nasceram – muito embora um governo tenha inventado o reembolso das propinas aos recém-formados, se não emalarem os pertences e rumarem ao estrangeiro. Vão para lugares que recompensam o seu esforço, ajudando-os a perceber que as pestanas queimadas e o investimento (dos pais e pessoal) não foi em vão. Completo a defesa para impedir que a acusação de egoísmo que se abata sobre mim: quanto menos jovens conviverem connosco, mais enfadonha se torna a sociedade, repleta de gerontes que se agarram a privilégios e recorrem à usura do “idadismo”; e menor é a probabilidade de a segurança social ter recursos para pagar a reforma quando tiver idade para a receber.

Esta análise não tem cabimento? Destroçar da mátria é uma decisão legítima dos jovens, sem que sobre eles caia o presumível dever moral de contribuírem para a sociedade que os viu nascer e medrar. Primeiro, acabam de entrar no mercado de trabalho, é legítimo que queiram tratar da sua vida. Se o tratar da vida levantar o véu da emigração, não devem hesitar. O mundo já é cosmopolita de mais para os jovens ficarem presos às saias da portugalidade. Segundo, se os mais novos sentem o rarear de oportunidades na terra-mãe, só um egoísmo atroz dos instalados os pode prender a um país que não olha por eles. Por um dever de reciprocidade, a emigração dos mais novos é legítima: se os conterrâneos não cuidam deles (porque muitos deles mal conseguem cuidar de si mesmos), os mais novos estão desobrigados desse dever de solidariedade.

Os nacionalistas de diferentes linhagens (os tradicionais, agora em erupção cutânea significativa; e os que não costumam hastear essa bandeira, mas o fazem por oportunismo) devem aceitar o romper do cordão umbilical dos jovens. Se a afamada mátria não é, contra os prognósticos de ilustres mandantes, um cortejo de virtudes; se esta é uma terra que anda para trás, contra as profecias autorrealizáveis dos que colonizam o espaço mediático com propaganda em barda; quem recusar a legitimidade de os jovens procurarem lá fora uma oportunidade é avalista de um egoísmo soez, ilegítimo.

Invocar chamamentos gregários para cimentar a pertença dos jovens é uma hipocrisia. O dever de contribuir para a vontade dos gurus que encenam a mátria-paraíso não é igual entre os membros da sociedade. Os mais velhos, os que já se habituaram à terra que não é de mel e de sonhos, os que tiveram as oportunidades que são cerceadas aos mais jovens, devem suportar o ónus maior. Os mais novos, que acabam de sair da universidade e querem passar à prática o investimento pessoal da infância, da adolescência e do neófito estado adulto, não devem ser aprisionados a um sebastiânico, e eternamente prometido e entretanto adiado, devir nacional para o qual somos convocados.

As ideias e as propostas (agora que estamos em pré-campanha eleitoral, depressa adulteradas na forma de promessas) com o propósito de fidelizar os jovens à mátria podem ter boa imprensa e comover os mais desatentos (e, vá lá, os que padecem da doença do otimismo incorrigível). Prometer a devolução de propinas e prometer que pagarão menos impostos é paradoxal, por ferir fundo a igualdade que tanto move os embaixadores da “ética republicana”. E é um logro: querem enganar os jovens, como se o desconto nos impostos e a devolução de propinas compensassem o exílio voluntário em países onde os jovens encontram melhores condições para começarem a construir uma vida.

Não, egoísta é quem ilude os jovens com promessas desastradas que teriam o condão de os manter na mátria sem que pudessem tirar partido do investimento pessoal que fizeram na sua formação. Os partidos, que já andam no típico hiperativismo eleitoral(ista), deviam fazer um pacto de cavalheiros para não prometerem mentiras aos mais jovens. É deixá-los partir, eles que pertencem a uma geração abertamente cosmopolita, e encontrar lugares onde se possam realizar. Para não serem reféns de uma bandeira e de um hino e da verborreia pífia, e imoderadamente egoísta, dos que esbracejam a sua superior linhagem moral, lá no pedestal onde exibem privilégios à conta do passado.

Não podemos desejar que os jovens vegetem por cá, pois não?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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