Câmara de Lisboa unânime na condenação a manifestação de extrema-direita

Autarquia promete articulação com o MAI e as polícias para garantir segurança de quem vive na capital. Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados defende proibição da marcha.

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Praça do Martim Moniz é um dos espaços de Lisboa para onde extrema-direita marcou manifestação Nuno Ferreira Santos
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A Câmara Municipal de Lisboa aprovou esta quarta-feira um voto de repúdio sobre a acção de rua convocada por um grupo neonazi junto ao Martim Moniz, condenando "toda e qualquer manifestação de carácter violento, racista ou xenófobo na cidade".

Proposto pelos vereadores do Cidadãos Por Lisboa (CPL) e do Bloco de Esquerda (BE), o voto de repúdio sobre uma manifestação organizada por "movimentos de extrema-direita", agendada para o dia 3 de Fevereiro, na zona do Martim Moniz, foi aprovado por unanimidade pelo executivo municipal de Lisboa, em reunião privada de câmara.

Com a aprovação deste voto, a câmara decidiu "repudiar e condenar toda e qualquer manifestação de carácter violento, racista ou xenófobo na cidade de Lisboa, afirmando o seu carácter intercultural e a defesa intransigente de cidade aberta, sem muros nem ameias".

Neste sentido, o executivo municipal vai articular-se com o Ministério da Administração Interna e com a Polícia de Segurança Pública (PSP), para garantir a legalidade e a protecção de todas as pessoas que vivem e trabalham em Lisboa. Além disso, o executivo municipal reafirma o compromisso da Câmara de Lisboa "contra o racismo e a xenofobia".

Actualmente, o executivo da Câmara de Lisboa, que é composto por 17 membros, integra sete eleitos da coligação "Novos Tempos" (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança) (que são os únicos com pelouros atribuídos), três do PS, dois do PCP, três do CPL (eleitos pela coligação PS/Livre), um do Livre e um do BE.

Segundo o voto de repúdio aprovado pela Câmara de Lisboa, "movimentos de extrema-direita estão a organizar uma manifestação "contra a islamização da Europa", contra os imigrantes de origem asiática", na zona do Martim Moniz e Rua do Benformoso, precisamente por serem as "ruas com mais imigrantes do país, sobretudo de origem islâmica".

"A organização anunciou a compra de archotes, tochas e parafina líquida, que tudo indica serão instrumentos usados para aterrorizar as pessoas imigrantes que por ali estiverem", lê-se no voto de repúdio.

O executivo municipal, por proposta dos vereadores do CPL e do BE, refere ainda que se vive um momento em que o discurso de ódio continua a referenciar os migrantes e "em que políticos e personalidades com responsabilidades públicas nas suas declarações proferidas publicamente a relacionam com comportamentos negativos e censuráveis fomentando preconceitos e generalizações estereotipadas e discriminatórias na forma de assédio, registando-se uma proliferação de ideologias assumidamente xenófobos e racistas".

Código Penal proíbe

Sobre a marcha extremista no Martim Moniz, a câmara diz que a acção se enquadra nas "actividades de propaganda organizada que incitem ao ódio e à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião", as quais são proibidas pelo artigo 240.º do Código Penal, pelo que é necessária a intervenção das autoridades competentes.

"Não tomar uma posição firme em relação a uma manifestação que promove o discurso de ódio e o ataque racista e xenófobo a pessoas que fazem parte da nossa população e que se encontram em situação de maior vulnerabilidade, é abrir espaço, normalizar, um discurso que não representa a cidade de tolerância que trabalhamos para ser", refere a Câmara de Lisboa, reforçando que não pode fechar os olhos a manifestações no concelho que incitem ao ódio e à violência.

Em 2020, Lisboa foi declarada "Cidade Anti-racista". "Estes novos lisboetas são um claro factor de renovação da população e aumentam a demografia local e nacional", realça a câmara, destacando ainda a contribuição da população imigrante na economia do país e na sustentabilidade do sistema de Segurança Social.

Valorizando a interculturalidade, a Câmara de Lisboa "repudia veementemente qualquer sinal de discriminação racial" e manifesta-se contra o ódio e a discriminação, aprovando o voto de repúdio como "um sinal inequívoco e público de que actos racistas e xenófobos são inaceitáveis no seu território".

"Ilegal", diz Ordem dos Advogados

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOA) considera que uma manifestação que incite a xenofobia e o discurso de ódio racial deve ser proibida pelas autoridades, porque viola a legislação. "Qualquer manifestação que incite ao ódio e à violência é uma manifestação que, obviamente, deve ser proibida", afirmou à Lusa Cristina Borges de Pinho.

Para Cristina Borges de Pinho, a manifestação enquadra-se no artigo 240.º do Código Penal, que proíbe "actividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência", uma acção punida com penas de prisão de um a oito anos.

"Não é uma questão de liberdade de expressão ou de ideologia, seja de extrema-direita ou extrema-esquerda. O que está aqui em causa é o incitamento da violência contra grupos por motivos raciais e o discurso de ódio que são totalmente proibidos", afirmou a presidente da CDHOA.

Para Cristina Borges de Pinho, estas acções resultam de um "aumento crescente" do sentimento anti-imigração entre os portugueses. "Pode haver um certo discurso, também do ponto de vista político, que leve as pessoas a pensar que os migrantes são terroristas, subsidiodependentes, que vão tirar trabalho aos nacionais, o que são obviamente ideias erradas", disse a advogada.

E depois estes movimentos surgem com a promessa de que "vamos acabar com isto, queremos um país seguro, como se os migrantes roubassem uma fatia maior do Orçamento do Estado ou que não fizessem trabalhos que, hoje em dia, os próprios nacionais não querem fazer", acrescentou, considerando que "é mais fácil as pessoas acreditarem num certo populismo".

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