Tratar uma ferida crónica ainda é um desafio clínico

Uma nova solução terapêutica para a medicina regenerativa do futuro para tratar feridas crónicas, como na diabetes, pode vir da combinação de duas ferramentas promissoras.

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Quando um esferoide é embebido num gel de fibrina, as suas células endoteliais começam a organizar-se em estruturas semelhantes a vasos sanguíneos (a verde), que são fundamentais para a revascularização do tecido em regeneração DR
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As feridas crónicas afetam 15 a 25% dos doentes com diabetes. Estas feridas são incapazes de cicatrizar num período de três meses, podendo existir dor crónica, perda de função de membros, hospitalização prolongada e aumento da mortalidade. Além disso, a sua gestão representa um enorme encargo financeiro para os sistemas de saúde. É por isso urgente encontrar novas soluções terapêuticas para o problema das feridas crónicas, que ainda são um desafio clínico.

Sabemos que, enquanto as feridas normais progridem ao longo de várias fases de cicatrização, as feridas crónicas são caracterizadas por uma inflamação persistente e baixa vascularização. Este conhecimento permitiu alguns avanços no tratamento das feridas crónicas. Porém, os resultados são ainda insuficientes e o seu tratamento continua a representar um desafio clínico.

Daqui nasceu a motivação para desenvolvermos uma nova terapêutica que propõe fazer uso da combinação entre esferoides celulares e baixas doses de radiação ionizante.

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O investigador Filipe Nunes Rocha DR

Um esferoide celular

Mas o que é um esferoide? Um esferoide celular é uma estrutura 3D composta por células que, ao serem depositadas num molde, se aglomeram num formato esférico. Os esferoides, envolvidos depois num gel, ganham capacidade de se expandir, unir e formar um tecido complexo, atuando como pequenas peças de um puzzle. A parte mais surpreendente é que já demonstraram a capacidade de atrair vasos sanguíneos do próprio hospedeiro onde são colocados, como forma de assegurar nutrientes, oxigenação e a sua integração no tecido a regenerar. Por estas razões, os esferoides têm vindo a ganhar particular relevância na medicina regenerativa.

A radiação ionizante

Por outro lado, consideramos também os benefícios das baixas doses de radiação ionizante. Ao contrário das altas doses, utilizadas na radioterapia no combate às células tumorais, as baixas doses podem ser usadas como forma de reduzir a inflamação nos tecidos e promover a sua vascularização – ambos efeitos benéficos para o tratamento de feridas crónicas.

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Esferoides, constituídos por células de pele e células de vasos sanguíneos, serão expostos a baixas doses de radiação ionizante para aumentar o seu potencial terapêutico: a sua eficácia será depois avaliada num modelo experimental de ferida crónica DR

O objetivo do meu doutoramento é combinar estas duas ferramentas promissoras: esferoides e baixas doses de radiação ionizante. Para isso, os esferoides são constituídos por células de pele e células de vasos sanguíneos, que, quando aglomerados num gel, conseguem interligar-se e formar um tecido vascularizado semelhante à pele. Depois, estes esferoides são expostos a baixas doses de radiação ionizante, de forma a percebermos qual o seu potencial regenerativo.

Para já, os resultados obtidos em células são extremamente promissores, uma vez que há um maior número de estruturas semelhantes a vasos sanguíneos e uma maior migração das células de pele após os esferoides serem expostos a baixas doses de radiação ionizante.

Avançamos assim para o próximo passo com grande expetativa: comprovar a eficácia desta combinação num modelo experimental diabético, aplicando estes esferoides irradiados diretamente sobre uma ferida.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Aluno de doutoramento na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigador do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa

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