Retalhistas querem evitar mar Vermelho para garantir chegada das novas colecções

Com a mudança de rota dos navios, menos navios estarão de volta à China a tempo de carregar a carga antes do Ano Novo Lunar. Isto atrasará a chegada de produtos ao Ocidente em Abril ou Maio.

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Reuters/KHALED ABDULLAH
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Os retalhistas de todo o mundo estão a armazenar produtos antes do feriado do Ano Novo Lunar na China, a 10 de Fevereiro, e a procurar alternativas aéreas ou ferroviárias ao transporte através do mar Vermelho, numa luta para evitar prateleiras vazias nesta Primavera, revelam executivos e especialistas à Reuters.

Um retalhista europeu explica que está a adiar as campanhas de marketing de alguns produtos específicos até que os stocks estejam garantidos. Os principais operadores de navios porta-contentores, como a Maersk e a Hapag-Lloyd, estão a desviar os navios do canal do Suez — a rota mais curta entre a Ásia e a Europa — depois dos ataques de militantes houthis iemenitas a navios no mar Vermelho.

Os desvios suscitaram o receio de uma nova perturbação prolongada do comércio mundial, precisamente no momento em que as cadeias de abastecimento se desbloqueiam após a pandemia de covid-19. A passagem pelo Sul de África acrescenta um milhão de dólares em custos de combustível e cerca de dez dias à viagem.

Contactos com cinco retalhistas que vendem de tudo, desde mobiliário a componentes mecânicos, e com analistas, mostram as medidas invulgares que as empresas estão a tomar para se adaptarem.

A BDI Furniture, sediada nos Estados Unidos, está a antecipar encomendas e a recorrer mais a fábricas na Turquia e no Vietname. Também está a pedir aos transportadores de carga que contornem os canais do Panamá e do Suez e enviem as mercadorias através do Oceano Pacífico para a Califórnia, onde podem ser transportadas por via-férrea para o seu armazém na costa Leste dos EUA.

Hanna Hajjar, vice-presidente de operações da BDI Furniture, diz que tem alguns produtos como armários multifunções, mobiliário de quarto e de escritório que já estão nos navios. "Simplesmente não esperávamos todos estes atrasos recentes", confessa, acrescentando que as perturbações aumentaram os tempos de trânsito a partir do Vietname em dez a 15 dias.

As empresas que transportam mercadorias da China para a Europa e a América do Norte estão a considerar alternativas como o transporte ferroviário e aéreo, mas os preços elevados significam que têm de ser estratégicas quanto aos produtos a que devem dar prioridade.

Hajjar diz que a BDI está a utilizar a rota da Califórnia como uma solução caso a caso, porque as taxas são agora o dobro do custo normal do transporte através do Suez ou do Panamá.

Apesar de o comércio entre a Ásia e a Europa estar mais exposto às perturbações do Suez, 30% dos envios para a costa Leste dos EUA são efectuados através do canal.

Corrida contra o tempo

Os retalhistas estão também numa corrida contra o tempo: a 10 de Fevereiro, as fábricas na China fecham entre duas semanas a um mês para o feriado do Ano Novo Lunar, pelo que as empresas tentam normalmente exportar o máximo possível antes do feriado.

Mas com a mudança de rota dos navios, menos embarcações estarão de volta à China a tempo de carregar a carga antes do feriado. Isto significa que é provável que haja atrasos nos produtos que deverão chegar às prateleiras ocidentais em Abril ou Maio. Os especialistas em logística já estão a relatar uma escassez de contentores no porto de Ningbo, na China.

"A pior coisa que pode acontecer a um retalhista é ter um atraso significativo num produto que não conseguirá comercializar devido à sazonalidade", declara Rob Shaw, director-geral para a região EMEA da empresa de software de inventário Fluent Commerce.

A empresa europeia Aldi Nord afirmou que poderá receber produtos como artigos para o lar, brinquedos e decorações mais tarde do que o previsto, pelo que está a adiar a publicidade de produtos específicos. A britânica Next afirmou que os atrasos são controláveis em comparação com os registados durante a pandemia. Mas a retalhista, que adquire a maior parte dos seus produtos na Ásia, poderia atenuar esta situação através de encomendas antecipadas e da maior utilização do transporte aéreo.

"As lições (da covid-19) são sobre o atraso do stock — encomendar um pouco mais cedo e permitir um pouco mais de frete aéreo", disse o CEO Simon Wolfson à Reuters.

Outra opção é uma rota ferroviária da China Ocidental para a Europa Oriental.

Craig Poole, director-geral da Cardinal Global Logistics no Reino Unido, informa que o custo da sua utilização subiu para cerca de 8200 a 9600 euros por cada contentor de seis metros, contra cerca de 6400 euros em Novembro, e está a aumentar diariamente.

A IC Trade, que exporta componentes mecânicos da China para Itália, está a explorar a opção ferroviária, mas "não é fácil encontrar espaço", lamenta o fundador Marco Castelli. "Para compensar um navio, são precisos 100 comboios."

O retalhista de moda polaco LPP diz que está a considerar alternativas ferroviárias ou marítimas para as suas colecções "mais urgentes".

Os analistas do RBC afirmam que a continuação das perturbações poderia afectar as margens de lucro brutas dos retalhistas europeus, ao passo que a perspectiva de que as novas tensões na cadeia de abastecimento façam subir os preços aumentou os receios de um novo impulso de inflação global.

Para algumas empresas, as últimas perturbações põem em evidência a necessidade de deslocar permanentemente as cadeias de abastecimento para que as fábricas fiquem mais próximas do consumidor final, um processo frequentemente designado por "near-shoring".

Por exemplo, a BDI Furniture pretende reduzir a sua dependência da China para 40% do total de encomendas nos próximos dois a três anos, contra os actuais 60%, através de um maior abastecimento no Vietname e na Turquia.

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