A esquerda e o verde em coligações pré-eleitorais

As vantagens aritméticas das coligações são claras. E por um lugar se pode ganhar ou perder uma maioria.

Escrevi recentemente uma pequena nota indicando o interesse dos partidos mais pequenos em participar em coligações pré-eleitorais no sentido de aumentarem a sua representação parlamentar e dei como exemplo a possibilidade de uma coligação de partidos da esquerda e verde parlamentar (BE+PCP+PEV+L+PAN).

Claro que a mesma vantagem de coligação se aplicava à direita que, com inteligência pragmática, também fez as contas e logo procurou a solução que melhor lhe servia com as regras do jogo eleitoral. E rapidamente recriou uma Aliança Democrática, juntando novamente PSD e CDS, agora mesmo sem o pequeno toque verde que lhe era dado pelo PPM.

Uma simulação feita com os votos expressos em 2019 e 2022 ilustra bem a vantagem numérica da coligação AD. Em 2019 o PSD e o CDS elegeram, respectivamente, 79 e 5 deputados e, se fossem coligados numa AD, elegeriam, com os mesmos votos, 90 deputados, isto é, teriam ganho no conjunto mais 6 deputados. O mesmo exercício com os votos de 2022, que seguramente foi feito pelos dois partidos, indica que o PSD elegeu 72 deputados e as coligações regionais com o CDS e o PPM, elegeram 5 deputados. Uma AD teria obtido, com os mesmos votos, 83 deputados. Em ambos os casos elegeriam em conjunto mais 6 deputados.

À esquerda o mesmo raciocínio deveria ser feito. Nas simulações com os mesmos números de votos, a criação da AD teria tido sobretudo como consequência a diminuição dos lugares do PS. Dos 6 deputados que a AD ganharia, 5 correspondiam a decréscimo do PS. Se tivesse havido a tal coligação BE+PCP+PEV+L+PAN, essa coligação teria, em 2019, 48 em vez de 36 lugares e, em 2022, 22 em vez de 13 lugares. E em qualquer dos casos, a soma de lugares com os do PS, que obteria nas duas eleições 96 e 110 lugares, permitiria a obtenção, mesmo se tivesse havido AD, de uma maioria da esquerda equivalente à que existiu sem a criação da AD.

Uma outra hipótese de coligação de esquerda seria a da associação PS+Livre+PAN. Essa coligação teria alcançado, com os mesmos votos, 114 lugares em 2019 e 122 lugares em 2022, muito próximo ou acima dos 115 lugares que correspondem a uma maioria absoluta. E a consequência para os partidos à esquerda do PS seria de uma perda muito ligeira.

Finalmente, uma nova “geringonça”, agora pré-eleitoral, englobando todos os partidos de esquerda (mais o PAN) apresentaria grandes vantagens na aritmética eleitoral: teria conseguido em 2019 alcançar 150 lugares e em 2022 alcançaria 139 lugares. E ainda que a AD se coligasse com a IL, o número de lugares desta “geringonça pré-eleitoral” pouco se reduziria, alcançando 148 lugares em 2019 e 136 lugares em 2022.

Os gráficos seguintes representam os resultados obtidos com os mesmos votos para os vários cenários em 2019 (primeiro gráfico) e em 2022 (segundo gráfico) para os diferentes cenários de coligação apresentados.

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O cenário 1 corresponde aos resultados eleitorais observados; o cenário 2 corresponde aos resultados que seriam obtidos com uma coligação da esquerda mais verde (E+V) com BE, PCP, PEV, L, e PAN; o cenário 3 revela os resultados que teriam sido obtidos se o PSD e CDS tivessem concorrido como AD e os restantes partidos isolados; o cenário 4 refere-se aos resultados que seriam obtidos com a coligação AD e com os partidos de uma hipotética coligação de esquerda mais verde (E+V); o cenário 5 indica a composição parlamentar resultante de duas coligações, a da AD à direita, e a de um socialismo mais verde (S+V) com PS, Livre e PAN; o cenário 6 resulta de uma coligação pré-eleitoral dos partidos da “geringonça” (G) com Livre e PAN e à direita a AD, com a IL e o CH a concorrerem isolados; e finalmente o cenário 7 corresponde a duas grandes coligações, a da esquerda (G) e a da direita, com os partidos da AD com a IL, com o Chega (CH) a concorrer isolado.

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Da análise dos gráficos ficam claras as vantagens aritméticas de coligações. E por um lugar se pode ganhar ou perder uma maioria. Mas o efeito das coligações é também, e talvez sobretudo, político. À direita, essa componente política está já a ser apresentada. À esquerda, uma coligação E+V permitiria seguramente o reforço das componentes de justiça social e ambiental de um futuro governo. Do mesmo modo, o carácter mais ecologista e defensor da natureza de uma coligação S+V contribuiria para um melhor governo verde. E uma coligação G mais abrangente que o PS promovesse poderia fazer uma grande diferença, tanto em termos numéricos como em termos políticos, com maiores avanços nas questões sociais, incluindo as laborais, da saúde e da habitação, mas também nas questões ambientais e de conservação da natureza que tantas questões levantaram ao Governo PS de maioria absoluta.

Na minha opinião, como socialista e empenhado nas causas da conservação da natureza, coligações à esquerda com maior componente verde seriam muito benéficas para a governação do país. Creio que precisamos de uma nova "geringonça" com uma clareza de propósitos e compromissos pré-eleitorais nas questões fundamentais. As eleições estão à porta. E a esquerda e o socialismo mais verde não podem continuar a “arrastar os pés” e a desaproveitar as oportunidades e as vantagens de uma cooperação na diversidade que lhes deveria ser natural.

As simulações aqui apresentadas são feitas apenas com base nos votos expressos em 2019 e 2022. Mas serão os votantes em 2024 que decidirão a nova distribuição de votos. Não é, no entanto, indiferente se os partidos são apresentados aos votantes de forma isolada ou conjunta. Creio que os portugueses preferem que o prato apresentado esteja já preparado com todos os ingredientes, deixando aos cozinheiros a prévia tarefa de lhes servir o apreciado “cozido à portuguesa” juntando com arte toda a diversidade de componentes. Essa cozinha pré-eleitoral evitaria que, tendo cada um direito apenas a um voto, tivesse de decidir individualmente se iria trazer para a cozinha batatas, couves ou chouriço, com o risco de todos trazerem batatas ao cozinheiro.

Talvez, aproveitando a época, se possa dar um melhor exemplo com a doçaria tradicional de Natal e se possa pedir que na cozinha da esquerda se prepare um bolo-rei, rico de todos os componentes, e que se sabe, pela célebre e penosa imagem de Cavaco Silva, que causaria grandes dificuldades de engolir a alguma direita.

Com as contas certas dos cenários e a brincar são estes os meus sérios desejos políticos para 2024.

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