Não houve boas notícias sobre ambiente em 2023? Sim, várias, do lince ao alto-mar

Apesar de todos os recordes climáticos e cataclismos, 2023 também ficou marcado por várias notícias positivas na área do ambiente, tanto em Portugal como a nível internacional.

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A população de lince-ibérico continua a aumentar em Portugal,A população de lince-ibérico continua a aumentar em Portugal Antonio Liebana/GettyImages,Antonio Liebana/GettyImages
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Reportagem nos terenos das Alagoas Brancas, onde se pretendia construir um parque comercial Guillermo Vidal
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Reportagem Rewilding Portugal, no Vale do Coa. Largada de uma manada de bovinos de uma nova raca chamada tauros com caracteristicas especificas para poderem viver na natureza sem necessitarem de gestao humana Miguel Madeira
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
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Audiencia no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos dos adolescentes e jovens portugueses, autores de uma acção contra 32 Estados (paises) do Conselho da Europa por inacção climática submetida em Setembro de 2020 TEDH / Direitos Reservados
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Uma das melhores notícias que saiu da COP28, a cimeira do clima que decorreu no início de Dezembro no Dubai, foi a Colômbia ter anunciado entrar no tratado de não-proliferação de combustíveis fósseis, tornando-se o 10.º país signatário. Até então, o tratado tinha maioritariamente países insulares. A entrada da Colômbia, um país que exporta carvão e produz petróleo, representa a decisão exemplar de um país que escolheu um caminho pelo clima.

Também da América do Sul veio, em Agosto, uma boa notícia no mesmo sentido. O povo equatoriano escolheu num referendo suspender as operações petrolíferas num bloco da Amazónia. Resta saber se o Governo vai fazer o que o povo decidiu. Apesar da enorme seca que sofreu, a Amazónia teve também um ano mais auspicioso sob o Governo de Lula de Silva e do Ministério do Ambiente de Marina Silva, com uma diminuição do desmatamento daquela floresta.

No entanto a posição ambiental do Brasil (o país aderiu à Organização dos Países Exportadores de Petróleo e da Rússia – OPEP+) partilha a mesma ambiguidade que se sentiu na COP28, onde foi aprovado o princípio do fim dos combustíveis fósseis. Ao fim de quase três décadas da cimeira, finalmente fica escrito num documento que os combustíveis fósseis são responsáveis pelas alterações climáticas e é necessário uma “transição para o abandono dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de uma forma justa, ordenada e equitativa”, lê-se no documento. Para muitos ambientalistas, estas palavras têm pouca força e deixam uma grande margem para a transição continuar a ser protelada.

Mas a primeira vitória da COP28 ocorreu logo no primeiro dia, quando foi anunciado a aprovação do fundo de perdas e danos, para apoiar países vítimas de catástrofes naturais. Resta saber ser os países vão realmente doar o suficiente para que este fundo seja capaz de responder aos desafios que estão por vir. Durante a cimeira, Portugal disse que vai contribuir com cinco milhões de euros para aquele fundo. Já em Junho Portugal tinha anunciado trocar a dívida que Cabo Verde tinha, no valor de 140 milhões, por investimentos no fundo ambiental e climático daquele país africano, no contexto da ajuda para os países em desenvolvimento lutarem contra as alterações climáticas.

Um tratado com 15 anos de negociações

No início de Março veio uma das melhores notícias de 2023. Após 15 anos de negociações, os Estados-membros das Nações Unidas conseguiram chegar a um acordo sobre a protecção dos oceanos. O Tratado do Alto-Mar é um compromisso internacional para salvaguardar pelo menos 30% dos oceanos até 2030. Portugal foi uma das 40 nações que assinaram o documento em Setembro.

No mesmo mês, o país denunciou outro acordo, o Tratado da Carta da Energia, que permite que as empresas da área da energia, incluindo petrolíferas e outras empresas que exploram combustíveis fósseis, processem países cuja moldura legal interfere com os seus interesses. Obviamente que os ambientalistas saudaram esta decisão tomada por Portugal.

Outra resolução importante que ocorreu este ano, mas desta vez a nível da União Europeia, foi a Lei de Restauro da Natureza. A legislação quer assegurar a recuperação de 20% dos ecossistemas degradados até 2030. A regulamentação esteve por um fio para ser chumbada e parte da sua força inicial ficou erodida para que se chegasse a um consenso. Resta saber como irá ser aplicada.

Muitas destas conquistas ocorreram graças ao esforço dos cidadãos, ao activismo ambiental e climático, que tanto deu que falar este ano com manifestações e ocupações estudantis. Mas há resultados. Veja-se o caso das Alagoas Brancas, uma zona húmida na cidade de Lagoa, no Algarve, que estava para se transformar num parque ambiental, e vai ser resgatada pelo Fundo Ambiental para ser renaturalizada. Para isso acontecer, primeiro o grupo Salvar as Alagoas Brancas, formado por cidadãos daquela região, e depois associações ambientalistas nacionais e partidos políticos tiveram de travar uma luta nas ruas, nos tribunais e também ao nível do poder central.

Foi também o activismo que fez com que seis jovens portugueses chegassem ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, depois de acusarem 32 Estados do Conselho da Europa de inacção relativamente às alterações climáticas, o que já está a ter impacto no seu dia-a-dia, alegam. Argumentam que viola os seus direitos humanos. O processo foi submetido em 2020 e o julgamento, ocorrido em Estrasburgo, em Setembro, teve muita cobertura mediática.

Energia e conservação

A nível nacional, o Governo subiu para 85% a meta de uso de electricidade de origem renovável até 2030, de acordo com a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima feita em Junho. Já no mês passado, o Governo aprovou também a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2023-2050, num esforço para erradicar a pobreza energética do país até ao meio do século.

Em questões de conservação da natureza e biodiversidade, também houve sinais positivos. Portugal está, por exemplo, a elaborar um plano de conservação de tubarões, raias e quimeras. Por outro lado, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo deu um parecer negativo à Secil, que queria aumentar a área de exploração na serra da Arrábida para a produção de cimento. E o Conselho de Ministros aprovou a criação do Parque Natural Marinho do Algarve – Pedra do Valado, no Algarve, após anos de conversa entre câmaras, associações, empresas e cidadãos dos municípios de Albufeira, Lagoa e Sines.

Apesar da perda da biodiversidade um pouco por todo o mundo e do risco de extinção de espécies, em 2023 a população de linces em Portugal continuou a aumentar, contabilizaram-se 21 casais reprodutores de águia-imperial-ibérica no Alentejo, mostrando que estas espécies estão a recuperar e foram introduzidos os taurus, uma raça de bovinos com características semelhantes aos antigos auroques, para ajudarem a recriar paisagens mais naturais na zona do vale do rio Côa.

E há redescobertas: na Indonésia, de um mamífero chamado “equidna-attenborough”, que põe ovos e não era observado desde 1961; e também em Portugal, neste caso uma aranha, a buraqueira-de-Fagilde, descrita em 1931 e observada agora, quase 100 anos depois, numa aldeia de Mangualde, na Beira Alta. É uma história apropriada para estes tempos de festas, com bolos à mistura e muito trabalho dos cientistas, que não se cansam de estudar o mundo natural, um passo fundamental para o proteger.

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