Rússia acusada de recrutar migrantes e refugiados para combater na Ucrânia

Awad, um cidadão somali que pretendia reencontrar a sua família na Alemanha, diz ter sido chantageado na fronteira com a Finlândia, onde lhe foi proposto “trabalhar para o Estado russo”.

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Migrantes na fronteira da Finlândia em Salla, no norte do país Reuters/LEHTIKUVA
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Desde o início da invasão da Ucrânia, em Fevereiro de 2022, pelo menos 254 cidadãos estrangeiros, incluindo do Nepal e do Iraque, foram mortos enquanto combatiam ao lado do Exército da Rússia, segundo uma investigação da BBC e do site independente russo Mediazona. Mais recentemente, a partir de meados de Novembro, quando a Finlândia começou a encerrar as suas fronteiras com a Rússia, dezenas de refugiados de países africanos e do Médio Oriente que pretendiam chegar à União Europeia — entre os quais pelo menos seis cidadãos da Somália — terão sido detidos e submetidos a chantagem: para não serem deportados, teriam de combater durante um ano como mercenários nas forças russas.

A investigação, conduzida pela jornalista Olga Ivshina, da BBC Rússia, salienta o caso de um somali — identificado com um nome falso, Awad — que foi detido pelas autoridades russas perto da fronteira com a Finlândia na segunda metade de Novembro, juntamente com centenas de outros estrangeiros que aguardavam uma oportunidade para entrarem em território finlandês.

Até meados de Novembro, a Rússia era acusada de encaminhar refugiados de países de África, do Médio Oriente e da Ásia para a fronteira com a Finlândia, onde depois a polícia fronteiriça fecharia os olhos a tentativas de travessia para o outro lado; depois do encerramento das fronteiras pela Finlândia — o que aconteceu em duas fases, primeiro a meio de Novembro e depois no fim desse mês —, os tribunais russos das regiões fronteiriças acusaram 236 pessoas de violação das leis de imigração entre 16 de Novembro e inícios de Dezembro, segundo a BBC.

Um dos acusados, o somali Awad, diz que foi abordado por "pessoas fardadas" quando se encontrava detido em Petrozavodsk, a 650 km da fronteira com a Finlândia.

Chegado de avião a Moscovo em Julho de 2023, com visto de turista, Awad tentou de várias maneiras viajar para a Alemanha e reencontrar a mulher e o filho — primeiro tentou entrar na Polónia através da Bielorrússia, sem sucesso, e depois partiu em direcção à fronteira com a Finlândia, onde esperava aproveitar-se da passividade demonstrada até então pelas autoridades russas.

Segundo Awad, ao sexto dia de detenção, ele e outros 11 detidos — cinco somalis, cinco de países árabes e um cubano — assinaram um documento, sem o auxílio de tradutores, onde eram convidados a "trabalhar para o Estado" russo. Segundo os autores da proposta, esse trabalho consistia em "tarefas simples", bem remuneradas e com direito a assistência médica.

"Disseram-lhes que se assinassem os documentos teriam de trabalhar durante um ano e depois poderiam ficar a residir na Rússia", disse à BBC Zosia Krasnovolska, uma activista da organização polaca Esperança e Humanidade.

Segundo Awad, ele e os outros 11 estrangeiros que aceitaram assinar os documentos foram na verdade levados para sul, até perto da fronteira com a Ucrânia; aí chegados, recusaram-se a combater e, alguns dias depois, foram levados de volta para o centro de detenção.

Nepal e Cuba

Dos 254 cidadãos estrangeiros mortos a combater pela Rússia na Ucrânia desde Fevereiro de 2022 — um número que diz respeito a mortes confirmadas pelas autoridade ucranianas e que pode ser muito inferior ao real, segundo a BBC —, a maioria era proveniente do Uzbequistão (61), do Tajiquistão (60) e de outros países próximos, como a Bielorrússia, o Cazaquistão e a Quirguízia.

Em Setembro, o Governo de Cuba anunciou o desmantelamento de uma rede de tráfico de pessoas, com sede na Rússia, que recrutava cubanos para combaterem como mercenários na guerra na Ucrânia, e nas últimas semanas a BBC Rússia noticiou casos de recrutamento de nepaleses e de somalis, entre outras nacionalidades de África, do Médio Oriente e da Ásia.

Muitos dos nepaleses, segundo a BBC, são jovens que vivem na Rússia com visto de estudante, e que são atraídos para a guerra com a promessa de um salário mensal muito superior ao que ganhariam num ano no seu país natal. No Nepal e noutros países onde já se sabia que a Rússia tentou recrutar mercenários, como na Síria, há também redes de tráfico de pessoas que têm como alvos antigos militares.

Zosia Krasnovolska, da organização polaca Esperança e Humanidade, disse à BBC que há várias provas da existência de uma operação de recrutamento de migrantes e refugiados na fronteira com a Finlândia.

Num outro depoimento, um iraquiano cujo nome não é identificado — e que garante correr risco de vida se regressar ao Iraque — disse que foi detido na Rússia quando tentava entrar na Finlândia para pedir asilo. "Deram-me a escolher: ou ia com os mercenários, ou regressava ao Iraque e ficava proibido de entrar na Rússia durante cinco anos."

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