Profissionais liberais e parentalidade: a teoria e a prática

É essencial reconhecer que os profissionais liberais enfrentam desafios significativos em relação ao usufruto dos direitos de parentalidade, em comparação com os trabalhadores por conta de outrem.

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Foi com especial alegria que vi aprovada a proposta da IL sobre os direitos de parentalidade para profissionais liberais. Há, com frequência, no espírito do legislador, uma discriminação perante estes profissionais. Quer por governantes, quer por deputados, é frequentemente feita a acusação da fuga de responsabilidades, tratando tudo como falsos recibos verdes, o que não é obviamente correto. Os falsos recibos verdes são um problema, que se resolve com regulamentação e fiscalização. Confundir um tema de direito laboral com direito fiscal não só não resolve problemas como cria novos.

Seja por livre escolha de estilo de vida, seja pela tipologia de atividades (atividades artísticas, designers, áreas tecnológicas, advogados), os profissionais liberais têm de ser acolhidos na lei no equilíbrio entre o que pagam e recebem. Não podem ser discriminados simplesmente por serem…profissionais liberais. Note-se que em termos de peso na sociedade, seja qual for a forma de contabilização, estima-se sempre que sejam entre 900 mil a 1 milhão de pessoas.

A proposta aprovada preconiza o estudo para a integração dos profissionais liberais e trabalhadores independentes para que o exercício dos respetivos direitos de parentalidade se exerça, de facto. Deparei-me várias vezes com a discussão centrada no argumento de que "estes direitos já estão incluídos na lei". Uma coisa é a lei, outra é a prática da mesma.

No que diz respeito à parentalidade, é essencial reconhecer que os profissionais liberais enfrentam desafios significativos em relação ao usufruto dos direitos, em comparação com os trabalhadores por conta de outrem. Por reconhecer a situação, e sabendo que é uma matéria complexa, importa que se faça o trabalho de identificação no terreno das dificuldades práticas, olhar para boas práticas de outros países e que se adapte o que se tenha de adaptar para um pleno usufruto dos diretos de parentalidade.

Destaco dois temas: a volatilidade de rendimentos e a capacidade de usufruir do período de amamentação.

  1. Para os profissionais liberais usa-se como “rendimento de referência” os mesmos critérios de um trabalhador por conta de outrem. Porém, no caso dos profissionais liberais, as fontes de receita do trabalho são, por natureza, mais variáveis. Para fazer face a esta realidade seria por exemplo adequado ter a possibilidade de escolher um segundo prazo, mais amplo, para o cálculo do rendimento de referência, para mitigar estes casos de volatilidade de rendimento.
  2. Sobre o período de amamentação: as mulheres têm (e bem) horário reduzido, mas este direito aplica-se às trabalhadoras por conta de outrem e é dificilmente aplicável às profissionais liberais. Uma mãe profissional liberal que trabalha, quando amamenta não recebe. Uma alternativa possível é garantir que esta mãe trabalhadora profissional liberal tenha uma redução da carga fiscal ou contributiva de forma a garantir o mesmo rendimento se abdicar das horas de amamentação. Essa redução não poderia ter, evidentemente, impacto nas pensões de reforma.

São exemplos meramente ilustrativos, inspirados noutros países europeus, que têm de ser estudados e harmonizados, mas que são exemplos claros de que a realidade não é igual e que a lei atual não garante o usufruto efetivo dos direitos de parentalidade.

Este não é um tema novo. Muitas discussões se têm produzido por diversas entidades e sectores. Recordo também diversas declarações, no 1.º Fórum de Profissionais Liberais organizado pela Associação Nacional de Profissionais Liberais (ANPL). Ali ouvimos expressões como “não pude exercer esse direito” (sobre amamentação e gravidezes planeadas) ou "tive um filho como profissional liberal e outro com contrato de trabalho por conta de outrem, e sei bem a diferença". E recordo também posições de personalidades de outros pontos no espectro político, como Francisco Assis, na qualidade de presidente do Conselho Económico e Social, a referir que tem havido falta de voz para estes profissionais e que deveriam ter representação na Concertação Social.

É também por isso que ter tido um amplo consenso na Assembleia da República, depois de muitas discussões, debates e até mudanças de voto, abre esperança para que este seja o primeiro passo de muitos. Ter sido no tema da parentalidade deu-me gosto em dobro. Não se pode clamar por uma sociedade mais inclusiva e não discriminatória, dinâmica e amiga de diversas opções de vida sem abordar convenientemente económica e socialmente os profissionais liberais.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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