Governo português “repudia” declarações do presidente do Parlamento guineense

Governo reage à dissolução inconstitucional do Parlamento guineense para repudiar declarações do seu líder, Domingos Simões Pereira, que acusou Portugal de cumplicidade com Umaro Sissoco Embaló.

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António Costa elogiou o Presidente guineense quando este visitou oficialmente Lisboa em Outubro JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
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O Ministério dos Negócios Estrangeiros reagiu esta quarta-feira pela primeira vez à dissolução inconstitucional da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, quebrando o silêncio para repudiar as declarações do presidente do Parlamento que acusara Portugal de cumplicidade com o que se está a passar em Bissau.

“O Governo português repudia as declarações do presidente da Assembleia Nacional Popular da República da Guiné-Bissau quanto à posição de Portugal sobre a actual crise política no país”, lê-se numa nota à comunicação social enviada pelo ministério.

Domingos Simões Pereira, líder da coligação PAI-Terra Ranka, que ganhou em Junho as eleições com maioria absoluta, afirmou na terça-feira, citado pela Lusa, que o Presidente guineense, Umaro Sissoco Umbaló, “evoca conversas com Marcelo Rebelo de Sousa, com o primeiro-ministro, António Costa, e com as autoridades [portuguesas]”, no “intuito de evocar algum paralelismo com aquilo que acontece em Portugal” – “se é normal em Portugal, é normal na Guiné-Bissau".

Para Domingos Simões Pereira, se “as autoridades portuguesas ouvem essa menção e não fazem questão de denunciar e de se distanciar dessa realidade, tornam-se cúmplices daquilo que está a acontecer neste momento na Guiné-Bissau”. Acabam por ser usadas por Embaló, “em vez de contribuir para o reforço da estabilidade, para a construção de instituições democráticas".

O MNE garante que “Portugal tem cooperado com todas as instituições e autoridades guineenses” de forma a ajudar à “consolidação da estabilidade, democracia e Estado de direito” e à “promoção do desenvolvimento” na Guiné-Bissau. Têm-no feito, “de forma consistente”, quer no quadro das Nações Unidas, quer da União Europeia, quer da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, “respeitando” sempre a “plena soberania” guineense.

Quanto à crise política actual na Guiné-Bissau, a diplomacia portuguesa diz que “tem seguido com atenção os mais recentes acontecimentos” na Guiné-Bissau, sempre esperando que “as instituições guineenses encontrem, no respeito pela ordem constitucional, as necessárias soluções para ultrapassar o actual momento que se vive no país”.

Tanto o Governo português como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa estiveram no mês passado na comemoração dos 50 anos da independência da Guiné-Bissau, cerimónia oficial que Umaro Sissoco Embaló passou a comemorar no Dia das Forças Armadas (16 de Novembro), em vez do 24 de Setembro, data efectiva da declaração de independência, só para evitar dar palco ao PAIGC (que foi quem a conquistou). E tanto o Presidente como o primeiro-ministro não se cansaram de elogiar o chefe de Estado guineense quando o receberam em visita de Estado em Outubro. Marcelo Rebelo de Sousa até lhe concedeu o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique e teceu loas à “coabitação estabilizada” que Embaló alcançara.

Como disse em Outubro ao PÚBLICO Carlos Sangreman, o investigador do CESA - Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento do ISEG, “o mandato de Embaló foi fértil em perseguições ao seu principal opositor, Domingos Simões Pereira. Chegando a não autorizar a sua vinda a Lisboa para o seu doutoramento. Foi a embaixada portuguesa que assegurou as condições com a Universidade Católica para ser feito a distância.”

As eleições de Junho – ao darem a maioria absoluta à coligação PAI-Terra Ranka do seu principal rival (Simões Pereira) e ao deixaram o seu partido (o Madem G-15) sem apoio para formar Governo – pareciam ter aberto o caminho para uma coabitação, embora o sinal dado pelo Madem no final de Setembro, ao pedir ao Presidente que dissolvesse o Parlamento pouco mais de um mês do Governo entrar em funções, já parecia indicar que talvez não fosse uma situação duradoura.

Aliás, como afirmou na terça-feira ao PÚBLICO o director do jornal guineense O Democrata, António Nhaga, “desde formação do novo Governo que estava a ser orquestrado e arquitectado o plano para o derrubar”.

“Toda a população sabia que há uma crise interna de coabitação entre o Presidente da República e o Presidente da Assembleia Nacional Popular” e “em todo o país já se falava que mais dia, menos dia o Governo ia cair”.

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