A ética e a esperança

Se este debate não for feito, ou mesmo sendo feito nada se modifique substancialmente (...), perderá a democracia e a qualidade de vida dos portugueses. Ganharão os extremistas e a abstenção.

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Começo por reafirmar uma ideia fundamental, bem conhecida de todos, a de que “à política, o que é da política e à Justiça, o que é da Justiça”, passando a seguir a um conceito que, a meu ver, tem andado muito arredado da discussão (e da prática) e que se centra na absoluta necessidade do cumprimento de valores éticos e de exemplo, no exercício de funções públicas.

Com efeito, e não apenas por causa das últimas semanas, confirmou-se que, mais do que uma crise política, vivemos uma crise de regime na qual a transparência e a falta de consequência ética são determinantes na ausência de confiança dos concidadãos naqueles que exercem funções públicas.

Entendo, por isso, que a exigência ética no exercício de funções públicas tem de ser reforçada por mais transparência e por um regime rigoroso de identificação de conflitos de interesses nas tomadas de decisão e de influência. E que esse mesmo regime seja consequente.

Na União Europeia, e depois do escândalo de Eva Kaili (uma das vice-presidentes do Parlamento Europeu), o Parlamento Europeu iniciou um processo de discussão sobre medidas que reforçam a transparência no exercício de funções.

Este debate europeu é um bom exemplo, nada difícil de importar pelos partidos políticos portugueses, no sentido do reforço da transparência e da prestação de contas.

Com efeito, medidas como a publicitação de reuniões em que os agentes públicos participam (em que se incluem os titulares dos órgãos de soberania – bem como as suas equipas – e os dirigentes superiores do Estado), ou a clarificação do conceito de conflito de interesses (alargando a membros das equipas e a muitas situações hoje não consideradas como conflito de interesses), bem como ainda a aplicação de sanções financeiras ao incumprimento da legislação, são ideias e propostas que deixo a todos aqueles que se candidatam à representação dos portugueses nos próximos anos.

Há que afastar, de vez, as estratégias da opacidade, do cinismo ou da proteção de interesses privados por quem exerce funções públicas. O comodismo não é uma opção, quando a ética na política é colocada em causa.

O argumento de que as funções políticas são mal remuneradas e que esse facto afasta os melhores da política não serve neste caso. Os maus exemplos que contagiam todos os que querem prestar serviço público são bem mais nocivos ao regime e à democracia e afastam seguramente – aqui, sim – os melhores.

Uma democracia com 50 anos já não se pode perder no acessório. A defesa da transparência e do interesse público está acima de qualquer interesse privado (por mais legítimo que seja).

Se este debate não for feito, ou mesmo sendo feito nada se modifique substancialmente no sentido da confiança dos portugueses nos seus representantes, perderá a democracia e a qualidade de vida dos portugueses. Ganharão os extremistas e a abstenção.

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