Tráfico de antiguidades: Tribunal confirma acusação ao antigo director do Louvre

Jean-Luc Martinez viu recusado o recurso que tinha apresentado na justiça. Em causa está a alegada compra de antiguidades egípcias com certificados de origem falsos para o Louvre Abu Dhabi.

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Jean-Luc Martinez tem 59 anos e é historiador de arte Bertrand Rindoff Petroff/Getty Images
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O mais alto tribunal do sistema judicial francês recusou terça-feira o recurso apresentado pelo antigo director do Louvre, acusado de envolvimento numa rede internacional de tráfico de antiguidades.

Jean-Luc Martinez contestava as conclusões da investigação que levou à sua detenção em Maio de 2022 sob suspeita de fraude e de lavagem de dinheiro, mas o Tribunal de Cassação francês (o equivalente ao Supremo português) não se deixou convencer pelos argumentos.

O historiador de arte de 59 anos que dirigiu o museu mais visitado do mundo entre 2013 e 2021 alegou, mais precisamente, que esta detenção fora altamente irregular e que as autoridades não tinham conseguido apresentar provas sérias de qualquer acto ilícito da sua parte, noticiam a agência de notícias France-Presse (AFP) e o canal de televisão France Info.

No coração deste processo judicial está (sobretudo) uma estela egípcia em granito rosa, com inscrições relativas ao jovem faraó Tutankhamon, uma peça de grande qualidade com mais de 3300 anos que terá sido roubada e depois vendida para as colecções do Louvre Abu Dhabi, extensão do museu parisiense nos Emirados Árabes Unidos.

Em Maio de 2022, quando Martinez foi detido, o juiz de instrução parisiense Jean-Michel Gentil, responsável pelo processo, considerou legítimas as dúvidas levantadas pela investigação quanto à proveniência da estela. Tribunal e polícia acreditavam então, e acreditam ainda, que esta peça que custou 8,5 milhões de euros terá sido obtida e comercializada ilegalmente por dois negociantes de arte que estão há muito no radar das autoridades, Christophe Kunicki e Roben Dib.

Estes dois homens terão falsificado documentos que atestam a proveniência de centenas de peças saqueadas em vários países do Médio Oriente, com o objectivo de mascarar a sua origem ilícita para, em seguida, as venderem a museus e coleccionadores privados.

Garantindo que deixara o país legalmente em 1971, Christophe Kunicki vendera já ao Metropolitan, em 2017, por 3,5 milhões de euros, o sarcófago de um sacerdote que, viria a descobrir-se mais tarde, fora roubado no Cairo em 2011.

Sabendo do processo que envolvia Kunicki e o Metropolitan, por que razão não alertou Jean-Luc Martinez as autoridades de que fora este marchand a mediar a aquisição da estela egípcia para o Louvre Abu Dhabi? As autoridades e os tribunais procuram resposta para esta e outras perguntas.

Para além de Martinez, sob suspeita ficaram também o conservador Jean-François Charnier e os egiptólogos Vincent Rondot e Olivier Perdu.

O mesmo tribunal que confirmou na terça-feira as acusações contra Martinez foi sensível à contestação apresentada por Charnier, garante a AFP, que consultou o processo.

De acordo com a publicação especializada The Art Newspaper, a justiça considerou agora que, no caso deste conservador sénior que já foi um dos principais consultores do Louvre dos Emirados Árabes Unidos, a polícia não tinha seguido os procedimentos adequados ao pô-lo sob custódia em Julho do ano passado, falhando no dever de informar devidamente o juiz encarregado do caso dos motivos que tinham levado à sua detenção.

Isto não significa, no entanto, que Charnier esteja livre de qualquer suspeita ou que não volte a ser ouvido por outro magistrado. Significa apenas que o juiz que apreciou o caso nesta instância superior considerou que o tribunal que antes analisara o seu recurso devia tê-lo diferido. A justiça terá agora de rever o caso.

As acusações contra os dois especialistas, feitas no âmbito de uma ampla investigação ao tráfico de antiguidades que envolveu importantes instituições na Europa e nos Estados Unidos, tinham já sido confirmadas pelos tribunais em Fevereiro último.

Tanto Martinez como Charnier continuam a negar a existência de qualquer irregularidade, insistindo que as sete peças egípcias compradas para o Louvre Abu Dhabi por intermédio de Christophe Kunicki – ao todo um investimento de 40 milhões de euros – só começaram a levantar dúvidas em 2019, anos depois da sua aquisição.

O antigo director do Louvre, à data responsável pelo comité científico que supervisionava as compras, é acusado de ter ignorado avisos sobre a possibilidade dos certificados de origem das peças serem falsos, escrevem a AFP e o France Info.

Esta investigação que envolve uma rede de tráfico de antiguidades com braços em vários países levou à detenção de um outro marchand a 15 de Setembro último. O alemão Serop Simonian é suspeito de ser a fonte das antiguidades egípcias vendidas ao museu dos Emirados. Está acusado de fraude e de branqueamento de capitais.

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