Movimentos anti-imigração em Portugal estão “cada vez mais organizados”

Estudo conclui que grupos anti-imigração ocupam cada vez mais espaço, não só nos movimentos sociais, mas também na política partidária portuguesa, embora não tenham ainda grande visibilidade.

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Muitos imigrantes ficam na rua ou em apartamentos sobrelotados à chegada e são visados nas manifestações xenófobas dos grupos anti-imigrantes Paulo Pimenta (arquivo)

Os movimentos anti-imigrantes existem em Portugal e estão cada vez mais organizados, aproximando-se dos congéneres europeus, embora sem um impacto social equivalente, segundo Thaís França, uma investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE.

Nos grupos anti-imigrantes “há uma organização muito maior, muito mais forte, há muitos mais grupos aparecendo e cada vez mais organizados, com agendas mais claras, ocupando cada vez mais espaço, não só de movimentos sociais, mas também dentro da política partidária”, alertou a investigadora, cujo estudo incluiu 20 entrevistas a activistas portugueses que se apresentam como anti-imigrantes.

As conclusões apontam para uma agenda semelhante a outros países europeus. Esses movimentos anti-imigração existem em Portugal, mas não têm tanta visibilidade quanto noutros contextos, considera a investigadora, para quem, contudo, é mentira que o problema não exista em Portugal. Começam a aparecer algumas manifestações de discursos de ódio, principalmente online, casos que se vêem na rua, de manifestação contra migrantes, exemplifica.

Reconhecendo que é tudo muito pontual, a investigadora diz que o seu estudo mostra que essas movimentações existem de uma forma mais submersa e que estão a organizar-se. Até porque, salientou, há um crescimento em Portugal do espaço para essas reivindicações anti-imigração acontecerem, apesar de, até hoje, Portugal ter tido uma política muito aberta em relação aos imigrantes.

Os novos afluxos de estrangeiros ao país ameaçam conferir maior visibilidade a estes problemas, já que, com a imigração tradicional dos países lusófonos, o chamado choque cultural era menos intenso. A investigadora, de origem brasileira, foi confrontada com isso nas suas entrevistas. [Os activistas anti-imigração] diziam que o meu caso é um caso de excepção, porque estou integrada na sociedade portuguesa, a trabalhar e a contribuir, numa espécie de discurso da boa selvagem em relação ao outro.

Contra a diversidade cultural nas escolas

Esses grupos defendem um controlo maior da entrada de migrantes e criticam as políticas de diversidade cultural nas escolas, explicou a investigadora. Consideram ao mesmo tempo que Portugal precisa de mudar as políticas migratórias, no sentido de estreitar as portas de entrada aos estrangeiros, por entenderem que há o risco de uma perda da identidade portuguesa, à medida que mais imigrantes vêm e que Portugal começa a adoptar outros costumes culturais que não seriam os tradicionais.

As conclusões do projecto, que integra estudos semelhantes realizados na Noruega, Itália, Alemanha, França e Áustria, serão apresentadas no dia 29 de Novembro. Apesar de o discurso anti-imigrantes estar latente na sociedade, Thaís França não acredita que o assunto surja nas próximas eleições de Março.

O tema da anti-imigração está presente na agenda do Chega e tenta entrar noutros partidos, mas a actual crise política acontece dentro de um contexto de corrupção e será esse o tema principal da campanha, vaticina. Conclui, porém, que se estivéssemos perante uma saída normal do Governo, essa questão da migração apareceria com mais força na agenda.

De resto, a investigadora considera que o aumento dos casos de xenofobia contra brasileiros mostra a transversalidade do tema aos vários sectores da sociedade portuguesa. Hoje em dia, tem-se uma perspectiva muito maior do que é a xenofobia, do que é racismo e há muitos mais canais para discutir essas questões, que antes tinham menos visibilidade, declara.

Comentando o recente caso de um vídeo difundido online em que uma mulher portuguesa no aeroporto de Lisboa diz a uma brasileira “Vá para a sua terra, estão a invadir Portugal, entre outras declarações xenófobas, a investigadora não considera que o episódio seja representativo da experiência de todos os brasileiros em Portugal, embora sustente que cada vez mais brasileiros se confrontem com casos de discriminação, de racismo e de xenofobia.

O episódio no aeroporto gerou polémica no Brasil, com o ministro da Justiça, Flávio Dino, a referir-se ao caso: Bom, se for isso, nós temos direito de reciprocidade, não é? Porque em 1500 eles invadiram o Brasil. E concordo até que eles repatriem todos os imigrantes que lá estão, devolvendo junto o ouro de Ouro Preto, e aí fica tudo certo, a gente fica quite.”

Para a investigadora brasileira do ISCTE, estes incidentes não representam uma mudança estrutural. O que nós vemos são casos isolados, que não estão inseridos dentro de um grupo organizado, salienta, negando que haja um sentimento xenófobo generalizado em Portugal contra os brasileiros.

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