Porque é que a melancia se tornou um símbolo palestiniano? É o fruto da arte e da repressão

Agora partilhada nas redes sociais em solidariedade com o povo palestiniano, a melancia é um símbolo de resistência há décadas, vinda da Guerra dos Seis Dias ao Governo de Netanyahu.

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Melancia começou a ser usada como símbolo por ter as cores da bandeira palestiniana mgstudyo /iStock
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Se nas últimas semanas tens navegado pelas redes sociais e lido publicações com apelos à paz no Médio Oriente, é provável que já tenhas visto emojis de melancias, usadas como símbolo de solidariedade com o povo palestiniano. Também nas ruas, manifestantes em cidades de todo o mundo têm erguido cartazes ilustrados com a fruta de casca verde e polpa vermelha.

Muito antes dos emojis, a melancia já era simbólica para os palestinianos — quer tenha sido fruto da expressão artística ou de tentativas de fuga à repressão.

Em 1967, depois da Guerra dos Seis Dias, quando Israel ocupou a Faixa de Gaza e a Cisjordânia e anexou a zona leste de Jerusalém, as autoridades israelitas restringiram a liberdade de reunião e de expressão sobre questões políticas, ou que pudessem ser interpretadas como políticas. Na prática, passava a ser proibido hastear a bandeira palestiniana nos territórios ocupados, já que era símbolo de resistência aos colonatos israelitas para lá da chamada “Linha Verde”.

Pelas suas cores, a melancia, muito cultivada e utilizada na cozinha da região, era um símbolo de identidade óbvio e uma forma de contornar as regras. O artista palestiniano Sliman Mansour, hoje com 76 anos, recorda uma conversa com militares israelitas na década de 1980, quando foi chamado a prestar contas sobre as suas obras, centradas na resistência do povo palestiniano.

A reunião, lembra, foi convocada depois de as Forças de Defesa de Israel encerrarem uma exposição dos trabalhos de Sliman Mansour, Nabil Anani e Issam Badr, que durou apenas algumas horas numa galeria de Ramallah, na Cisjordânia.

“Disseram-nos que pintar a bandeira palestiniana era proibido e que as cores também eram proibidas. E o Issam perguntou: ‘E se eu fizer uma flor vermelha, verde, preta e branca?’, ao que um soldado respondeu irritado: ‘Será confiscado. Até se pintares uma melancia será confiscado’”, contou Mansour ao jornal The National, dos Emirados Árabes Unidos, em 2021.

Essa proibição só seria levantada em 1993, aquando da assinatura dos Acordos de Oslo, entre Israel e a Organização pela Libertação da Palestina. A partir daí, Israel aceitou que a bandeira representasse a Autoridade Nacional Palestiniana, criada para administrar a Faixa de Gaza e a Cisjordânia.

“Na Faixa de Gaza, onde em tempos os jovens eram presos por transportarem fatias de melancia — pelas cores palestinianas — soldados assistem, indiferentes, à passagem de manifestantes agitando a bandeira outrora proibida.” Era o cenário descrito em Outubro de 1993, semanas após a assinatura dos acordos mediados pelos Estados Unidos, pelo jornalista do The New York Times John Kifner.

O jornal norte-americano viria, meses depois, clarificar que não era possível confirmar que essas detenções por transporte de fatias de melancia tivessem acontecido, de facto, mas que o Governo israelita também não foi capaz de negar a veracidade desses relatos.

Em 2007, outro artista palestiniano, Khaled Hourani, recupera a história contada por Sliman Mansour e, inspirando-se nela, pinta uma fatia de melancia para o projecto The Subjective Atlas of Palestine (em português: “O Atlas Subjectivo da Palestina”).

Desde então, muitos artistas de diferentes nacionalidades pintaram e reinventaram a melancia como símbolo da identidade e resistência do povo palestiniano à violência. E, com novas obras, ressurgem também as velhas formas de repressão.

Em Janeiro, o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, concedeu às autoridades nacionais o poder de confiscar bandeiras da Palestina. “Hoje dei instruções à polícia israelita para impor a proibição de hastear em espaços públicos qualquer bandeira da Organização pela Libertação da Palestina que mostre identificar-se com uma organização terrorista e para pôr fim a qualquer incitamento contra o Estado de Israel”, justificou, à data, no X (antigo Twitter).

Os deputados israelitas propuseram também criminalizar que grupos de três ou mais pessoas erguessem a bandeira de uma “entidade hostil”, como a bandeira palestiniana, arriscando uma pena de até um ano de prisão.

Mesmo sem criminalização, as instruções do ministro Itamar Ben-Gvir dão às autoridades israelitas poder para apreender símbolos palestinianos e deter cidadãos, alegando perturbações da ordem pública.

Já este Verão, uma acção de protesto da Zazim, organização que junta muçulmanos e judeus em Israel pela protecção dos direitos humanos, pôs 16 táxis a circular por Telavive durante duas semanas com cartazes com a frase “Isto não é uma bandeira palestiniana”, ao lado do desenho de uma melancia.

“A nossa mensagem para o Governo é clara: vamos sempre encontrar forma de contornar qualquer proibição absurda e não deixaremos de lutar pela liberdade de expressão e pela democracia — quer se trate da bandeira do orgulho LGBTI+ ou da bandeira palestiniana”, afirmou Raluca Ganea, o responsável da Zazim. “A violência contra aqueles que agitam a bandeira da Palestina está a aumentar com o patrocínio do Governo, mas não permitiremos que atropelem a democracia e a liberdade de expressão.”

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