A universidade de que o país precisa

Portugal investe cada vez menos no financiamento do seu ensino superior e da investigação, apresentando uma das mais baixas taxas de investimento público em ciência (cerca de 0,29% do PIB).

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A universidade não é, não pode ser, uma mera linha de montagem de graduados minimamente preparados para ingressar no mercado de trabalho. A universidade é, tem de ser, um centro de produção e divulgação de conhecimento, um lugar privilegiado de investigação e de ciência, e um instrumento de formação técnica, científica e ética, capaz de preparar as futuras gerações para o desígnio de imaginar a nossa vida coletiva presente e futura.

Quase no fim do primeiro quartel do século XXI, importará já pouco terçar argumentos sobre o estado a que as universidades portuguesas chegaram. Bem mais produtivo, parece-me, será ponderar seriamente aquilo que as universidades e o país podem e desejam ser. Foi este o intuito da CRUP quando, há quase um ano, se associou ao espaço de reflexão e diálogo aberto pelo ISCTE, o qual constituiu um momento essencial de reflexão sobre o ensino superior que temos, o ensino superior que queremos e o ensino superior de que necessitamos. O trabalho então efetuado e os diversos contributos recolhidos estão plasmados no livro O Futuro da Ciência e da Universidade, que esta semana foi publicamente apresentado.

É incontornável afirmar o óbvio: o país que seremos no futuro, a comunidade que construiremos, dependerá em grande medida da universidade que venhamos a ser capazes de consolidar na sequência, também, das reflexões contidas naquele livro.

Para cumprir o desígnio maior de continuar a servir a comunidade, as universidades devem absolutamente ser capazes de se afirmar pela qualidade dos estudantes que formam, pela excelência da ciência que produzem, pela capacidade de transmitir os resultados da sua investigação para o tecido económico do país e de gerar receita própria, e pela consolidação do seu papel de agentes de progresso e de bem-estar.

Todavia, aquele livro demonstra, se preciso fosse, que Portugal investe cada vez menos no financiamento do seu ensino superior e da investigação que fazemos, apresentando uma das mais baixas taxas de investimento público em ciência (cerca de 0,29% do PIB) proveniente dos impostos dos cidadãos. Esta realidade tem sido maquilhada pela injeção de fundos comunitários no sistema científico universitário, mas não é expectável que a cornucópia dos euros continue a verter dinheiro para lá de 2030.

A construção de uma universidade mais apta a dar resposta às reais necessidades do país, e a impulsionar o seu desenvolvimento económico e social, dependerá, assim, e em grande medida, da capacidade do Estado para assegurar o financiamento eficaz e equilibrado do ensino superior, aumentando gradualmente, e desde já, o investimento nacional em ciência para que, esgotado o ciclo dos fundos europeus, não nos descubramos de mãos vazias e incapazes de cumprir a missão que a comunidade nos atribui.

Acresce que a autonomia formal das universidades se vê todos os anos condicionada e cerceada, na prática, pelas normas do Orçamento do Estado e da Lei de Execução Orçamental, sendo necessário, por isso, garantir também o exercício pleno e reforçado da nossa independência, permitindo-nos investir com critério e eficácia nas áreas que consideramos decisivas para o serviço que prestamos à comunidade, cuidando de não desperdiçar recursos nem talentos, e assegurando que o ensino superior continuará a ser o mais eficaz elevador social de que o país dispõe.

As universidades portuguesas deram provas, ao longo dos anos, de uma capacidade ímpar para gerir os parcos recursos públicos colocados à sua disposição. Não gerámos dívida e fomos capazes de antecipar e de dar resposta a inúmeros desafios que se nos colocam e colocarão, contribuindo de forma decisiva para o progresso e para o prestígio do país.

A universidade do futuro, a universidade que desejamos, dotada dos meios e da autonomia que merecemos e a que aspiramos, terá de ser, conforme escreveu Carlos Fiolhais no prefácio do livro, “continuamente aberta à mudança” e capaz de, estimulando a criatividade e o sentido crítico de toda a comunidade académica, enfrentar os múltiplos e complexos desafios que o futuro nos trará, e que desejamos ser capazes de antecipar e de sonhar.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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