Erros de trajetória no Orçamento de Estado para 2024
A proposta de Orçamento para 2024 do Governo prejudica o princípio da confiança jurídica. Os aumentos no Imposto Único de Circulação vão assumir um verdadeiro cariz confiscatório.
A proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê um conjunto de medidas nefastas para o bolso dos portugueses e para o conjunto da economia nacional:
- O aumento do Imposto Único de Circulação (IUC), para os veículos da categoria A de matrícula anterior a 2007 e para motociclos (categoria E), porque ambos deixam de ser tributados apenas com base na cilindrada, passando a atender-se à componente ambiental (emissão de partículas de CO2).
- A alteração do regime de Residentes Não Habituais;
- A aplicação da taxa de solidariedade social ao penúltimo escalão do IRS.
- Aumento do IUC
O Governo pretende onerar com mais impostos a população que, por razões financeiras, possui automóveis mais velhos, tributando-os com base na componente ambiental (quantidade de partículas de CO2 libertadas para a atmosfera). A razão é a aplicação do princípio do poluidor-pagador.
Na altura da sua introdução, em 2007, foi decidido que as regras apenas se aplicariam à aquisição de viaturas novas (ou seja, compradas a partir desse ano), criando-se expectativas legítimas por parte dos contribuintes de que os veículos mais antigos ficariam salvaguardados (dado que estas viaturas foram produzidas com base em tecnologia mais antiga).
Com a nova proposta de OE, essas expectativas são totalmente goradas, afetando o princípio da confiança jurídica. Os aumentos vão assumir um verdadeiro cariz confiscatório, como se facilmente se vê pelos exemplos que se seguem:
Exemplo 1: Uma viatura de maio de 2005 com 900 cm3 de cilindrada passa de 19,34 € de IUC em 2023 para 96,92 € nos próximos anos;
Exemplo 2: Uma viatura automóvel de janeiro de 2006 com cilindrada de 1995 cm3 passará de 45 para 231 € de IUC;
Exemplo 3: Uma viatura automóvel de 1992 com 1043 cm3 de cilindrada passa de 34,16 para 268,01 € de IUC.
O resultado desta alteração de regras de tributação é a imposição da regressividade das taxas do IUC. Os contribuintes com mais rendimentos e com capacidade económica para adquirir viaturas novas, inclusivamente elétricas, ficam com um menor ónus tributário do que os que têm menores disponibilidades financeiras e possuem veículos mais antigos. No caso de pensionistas com reformas baixas, irão perder, na prática, uma parte significativa das suas reformas.
E a cláusula de salvaguarda, pela qual o aumento será progressivo nos próximos anos (com um limite de aumento de 25 euros em 2024) não altera este problema. O cariz confiscatório do novo IUC vai definitivamente ser sentido na pele por muitos portugueses.
- Alterações ao regime dos Residentes não Habituais (RNH)
Ao contrário do que foi veiculado pelos órgãos de comunicação social, o regime dos RNH não foi alterado:
- O regime dos RNH continua a ser aplicável a pessoas que, não tendo residência fiscal em Portugal nos últimos cinco anos, a transfiram para cá;
- Aplicar-se-á uma taxa de 20% de IRS, sobre os rendimentos auferidos, durante um prazo de dez anos.
Na prática, transfigurou-se: a partir de agora, apenas podem beneficiar do regime as pessoas que: (i) prossigam carreiras de docentes de ensino superior e de investigação científica ou sejam doutorados com tarefas de investigação cujos custos salariais sejam suportados por empresas nacionais; (ii) ocupem postos de trabalho altamente qualificados (quadros superiores de empresas, engenheiros, arquitetos, auditores, programadores de informática, profissões liberais, etc.) em setores relevantes (industria extrativa/transformadora, turismo, serviços informáticos, agricultura, investigação; ambiente, energia e telecomunicações; etc.).
Contudo:
- Os pensionistas já não podem beneficiar do regime, à taxa de 10% (o que era uma mais-valia inegável na atração destes indivíduos);
- Acaba o regime de isenção no rendimento de capitais de fonte estrangeira.
Conclui-se que o regime se tornou mais complicado, restritivo e menos atrativo, e que em termos da opinião pública internacional (e.g. Financial Times, Bloomberg, El País, etc.), o que passou foi que o regime foi totalmente revogado.
Estas mudanças são prejudiciais, pois o regime dos RNH trazia vantagens significativas para o país já que atraía novos residentes e profissionais com elevado valor para a economia portuguesa que pagavam IRS e consumiam no nosso país e, por isso, contribuíam para a receita fiscal. Ao contrário do que foi noticiado não há qualquer despesa fiscal com estes casos, tratando-se apenas de mais um exemplo de ilusionismo político.
- Aplicação da taxa de solidariedade social ao penúltimo escalão do IRS.
A proposta de OE para 2024 prevê, ao contrário do que aconteceu em 2022, uma atualização dos escalões do IRS de modo a “acomodar” o impacto da inflação. A inflação é um imposto oculto pois implica uma perda efetiva de poder de compra, sobretudo por parte daqueles que recebem exclusivamente salários.
A atualização dos escalões de rendimentos do IRS é essencial para que se tribute menos os salários, cujo valor se vai erodindo ao longo dos meses, e para que não haja um injustificado acréscimo do ónus tributário em resultado de aumentos salariais.
Contudo, por inépcia ou propositadamente, o Governo decidiu que a taxa de solidariedade, que apenas se aplicava ao último escalão, passasse também a ser aplicada ao penúltimo escalão de rendimentos (de 51.997 até 81.199 €). A taxa de solidariedade impõe uma taxa suplementar de 2,5% sobre uma taxa de IRS de 48%, que já é muito elevada, para rendimentos anuais superiores a 80.000 €, confirmando a ganância fiscal deste Governo.
Num contexto em que se perdeu (e continua a perder) muito poder de compra, significa que, a partir de agora, não só os portugueses “ricos” mas também os portugueses “remediados” estarão sujeitos a um (confiscatório) ónus tributário em termos de IRS.
Pelos motivos expostos, e como o CDS-PP defende, fica o apelo para que o Governo ganhe consciência sobre a forma como está a prejudicar todos os portugueses – pobres, remediados e classe média – e assuma estes erros de trajetória, desistindo destas medidas de modo a: (i) não onerar excessivamente, por intermédio do aumento do IUC, os magros salários e pensões auferidos pelas classes sociais mais frágeis; (ii) não fomentar, através das alterações ao regime dos RNH, a fuga de capital humano que muito contribui para o erário público nacional; (iii) não impor uma cobrança de confisco aos rendimentos da (cada vez mais escassa) classe média deste país.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico