ERC diz que cartoon sobre racismo na polícia não é ofensivo

Animação que passou na RTP mostrava polícia a disparar mais sobre alvos mais escuros. Além das queixas da PSP e GNR, deram ainda entrada na entidade cerca de 95 participações de cidadãos.

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Uma das imagens da animação que passou na RTP DR
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O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deliberou que o cartoon de Cristina Sampaio emitido pela RTP, que mostra um polícia numa carreira de tiro que vai disparando mais intensamente à medida que a cor do alvo vai escurecendo, não é ofensivo.

O cartoon, emitido pela RTP a 7 de Julho e também publicado na rubrica Desalinho no PÚBLICO, aludia à realidade francesa, segundo os autores do Spam Cartoon, onde em Junho um jovem com ascendência magrebina tinha sido alvejado fatalmente pela polícia numa operação-stop​, causando protestos e uma onda de violência que varreu as principais cidades durante várias noites.

A animação mostrava um agente da polícia que disparava mais balas sobre alvos com cor da pele mais escura.

Embora não houvesse qualquer referência à PSP ou à GNR, estas forças policiais consideraram que o cartoon era ofensivo e apresentaram queixa na ERC. Reconhecendo a liberdade de imprensa, afirmavam que não podiam deixar de repudiar o vídeo que afrontava “colectivamente e individualmente todos aqueles que exercem funções policiais em Portugal”.

“A escolha de um episódio de treino na área da formação do tiro, em que os alvos assumem um tom de pele diferente, transmite ao público a existência de uma organização e metodologia para tratamento de grupos sociais de forma diversa, o que atenta gravemente contra toda e qualquer prática actual”, afirmaram na queixa.

Defendiam que não existe “qualquer estudo, análise ou simples estatística que comprove a mensagem transmitida pelo programa emitido por uma estação de televisão detentora do serviço de concessão do serviço público”.

A PSP apresentou mesmo uma queixa ao Ministério Público, e o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, admitiu ter expressado à RTP o seu desconforto com o cartoon, tendo assegurado publicamente que as forças de segurança portuguesas garantem o cumprimento do princípio da igualdade.

A ERC revela que, além das queixas da PSP e GNR, deram ainda entrada na entidade, entre os dias 7 e 12 de Julho de 2023, 95 participações de cidadãos, criticando a transmissão na RTP1 do cartoon e apresentando argumentos semelhantes aos que constam dos requerimentos das polícias.

Os directores de informação da RTP 1 e RTP 3 alegam que, “apesar da controvérsia e das diferentes opiniões que vieram a público”, a RTP, “de imediato, emitiu a sua posição oficial que condensa o entendimento que tem sobre o tema, e que mantém”: “O Spam Cartoon é um exercício de opinião livre sobre a actualidade nacional e internacional que a RTP acolhe desde 2017. É da autoria de alguns dos mais reconhecidos cartoonistas portugueses. Em nenhuma circunstância serviu para instigar à violência contra quem quer que seja. Os valores da liberdade de expressão e de opinião são basilares da democracia e do serviço público da RTP”.

A deliberação do conselho regulador da ERC relembra que “os cartoons integram um género que é, por natureza, transgressor de limites, que recorre à caricatura, ao exagero e ao humor para transmitir uma opinião sobre determinado assunto”. Considera ainda que, “ainda que o cartoon objecto das participações tenha uma crítica forte e assertiva, não comporta um teor de humilhação ou vexatório, nem visa gerar o ódio ou desestabilizar a paz social”.

A deliberação alega que “é através de ‘mais discurso’, e não da repressão do discurso, que poderá ser rebatido o pensamento expresso no cartoon” e conclui que a RTP “não violou a ética de antena, nem ultrapassou os limites da liberdade de programação”.

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