O conflito entre Alojamento Local e a necessidade urgente de habitação em Lisboa e Nova Iorque

A situação exige uma resposta urgente que tem de ser governamental. Pode passar por mais incentivos fiscais à passagem de AL para arrendamento e por medidas semelhantes às de Nova Iorque.

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Matilde Fieschi
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Em setembro de 2023, Nova Iorque começou a aplicar um regulamento que visa acabar com todos os Alojamentos Locais ilegais. A Airbnb apressou-se a reagir, declarando que a iniciativa do governo da cidade representava uma proibição "de facto" do AL na cidade. De sublinhar que, em 8 de outubro, existiam, em Nova Iorque 44,5 mil casas em Airbnb. Comparativamente, Lisboa, na mesma data tinha na plataforma de agregação airDNA 18 mil casas a uma média de 72,8 euros/noite, com um rendimento médio anual de 40,8 mil euros (+11% do que em 2022). Estes números são, contudo, subavaliados, porque existem mais operadores, tais como a VRBO e a Booking.com, para além de muitos operadores de menor dimensão e de outros que não estão presentes em nenhuma destas redes.

Mas é impossível fazer esta comparação sem ter em conta que Nova Iorque tem 8.804.190 habitantes e 44,5 mil casas em AL mas que Lisboa tem apenas 547.773 habitantes em 323.981 alojamentos e mais de 18 mil AL. Estes números significam que, para Nova Iorque a proporção de casas em AL é de 0,505% enquanto em Lisboa a proporção é de 3,29%. Ou seja: 6,52 vezes mais!

Apesar dos protestos e ameaças de processos judiciais por parte da multinacional, Nova Iorque não está a impor a proibição do AL. Na verdade, o que está a agora a aplicar é uma regulação de início de 2022 que é semelhante ao registo português do "RNAL - Registo Nacional de Estabelecimentos de Alojamento Local". Contudo, nesse registo, Nova Iorque avançou mais do que Portugal: para se poderem registar, os proprietários não podem colocar em AL uma casa completa; têm de estar presentes durante toda a estadia do hóspede e quem não cumprir estas regras terá de pagar uma coima que pode ascender a 5 mil dólares.

Outras cidades dos EUA – também elas sob grande pressão dos preços do imobiliário e com o desvio para o turismo de muitas casas – estão a tomar medidas semelhantes às de Nova Iorque: é o caso de Los Angeles e São Francisco, entre outras.

Em Lisboa temos a infelicidade de ter um presidente de câmara que recusa o papel de mediador e moderador entre interesses contrários e participa em manifestações promovidas por alojadores locais, pelo que não será esperar daqui iniciativas que levem ao regresso ao uso habitacional das milhares de casas desviada para o AL nos últimos anos. E Lisboa bem precisa de uma câmara municipal mais ativa e interveniente na área da habitação, dado que a cidade é o epicentro da actual emergência imobiliária que se abateu sobre o país. E o facto de Lisboa ser a única grande cidade onde os preços por metro quadrado não caíram desde o ano passado é uma consequência da inércia camarária ou, ainda pior, da cumplicidade activa com os interesses dos alojadores locais.

Além do problema dos devolutos de Lisboa (recentemente identifiquei a possibilidade criar mais de 8 mil fracções para alojamento estudantil ou arrendamento acessível em imóveis abandonados do Estado), o AL é o segundo grande desvio na habitação na cidade dado que as 18 mil casas desviadas para uso turístico contribuem para que a cidade seja um destino turístico de massas, com todos os custos ambientais, em produção de resíduos, ruído e distorção dos preços da habitação com a consequente gentrificação da cidade. Imaginemos que tínhamos um executivo autárquico actuante e eficaz, enquadrado por uma moldura legislativa que criava condições efectivas e atraentes para que os proprietários dos AL devolvessem estas casas ao arrendamento urbano. Não teríamos que esperar por obras de dois ou três anos, pela resolução de disputas entre herdeiros que paralisam tantos devolutos privados nem pela inércia de um Estado que nem conhece adequadamente aquele que é, efectivamente, o seu património imobiliário.

Estamos em situação de Emergência Imobiliária e a gravidade da situação exige uma resposta urgente em Lisboa e esta resposta apenas pode ser dada em Lisboa através de uma iniciativa que tem de ser governamental e que pode passar por um momento de transição que passa pelo reforço de incentivos fiscais à transição do AL para arrendamento urbano e, posteriormente pela criação de medidas idênticas às de Nova Iorque: proibição de colocação integral das casas em AL e a obrigação da permanência na habitação do proprietário durante a permanência do hóspede. Assim se permitiria que muitas pessoas continuassem a reforçar o seu orçamento familiar sem permitir a "industrialização" da actividade nem o desvio de casas que poderiam estar no mercado de arrendamento e assim, pelo aumento da oferta, para a descida dos preços.

A 8 de Outubro existiam no Idealista 12 mil casas em arrendamento: imaginemos que este valor era reforçado com as 18 mil casas em AL na mesma data: que tipo de descida de preços poderíamos esperar de um aumento de 150% no número total de casas disponíveis para arrendamento?

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