União Europeia, uma breve história do futuro (I)

Hoje, em 2023, perante os efeitos acumulados da guerra, o impasse salta à vista quando se trata de dosear o esforço entre política externa e política interna.

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Escrevi a primeira versão deste texto em agosto de 2018. Na altura alguns leitores reagiram dizendo que não havia razões objetivas que justificassem a utopia europeia que eu propunha. Eu respondi dizendo que o futuro se inscreve e realiza no presente quando tudo parece estar bem, caso contrário pode ser tarde demais. Logo a abrir lembrei o discurso do presidente da Comissão Europeia Durão Barroso proferido no dia 12 de setembro de 2012 no Parlamento Europeu sobre o estado da União onde afirmou,

Nestes tempos conturbados não devemos deixar a defesa da nação nas mãos dos nacionalistas e dos populistas. Já não estamos no tempo em que a integração europeia era feita por consentimento implícito dos cidadãos. A Europa não pode ser tecnocrática, burocrática, nem mesmo diplomática. A Europa tem de ser cada vez mais democrática.

Não devemos permitir que os populistas e nacionalistas estabeleçam uma agenda negativa. Porque, ainda mais perigoso do que o ceticismo dos antieuropeus é a indiferença ou o pessimismo dos pró-europeus. Não temos de pedir desculpa pela nossa democracia, pela nossa economia social de mercado, pelos nossos valores de coesão social, respeito pelos direitos humanos e dignidade humana, igualdade entre homens e mulheres, respeito pelo nosso ambiente. As sociedades europeias, com todos os seus problemas, contam-se entre as mais dignas da história da humanidade e devemos ter orgulho disso. Perante os desafios da globalização uma federação europeia de Estados-nação é a solução, mas não um superestado.

Hoje, em 2023, tomo como acertadas estas palavras. Hoje, perante tantos problemas e riscos globais, deixámos saturar o ambiente europeu a tal ponto que não existe, na atual conjuntura, serenidade política bastante para discutir as reformas que são necessárias para consolidar o projeto europeu. Entretanto, corremos, mesmo, o risco de atropelar os próximos alargamentos – Balcãs Ocidentais e o trio Ucrânia, Moldávia e Geórgia – para evitar a sua contaminação pelas consequências da guerra.

Hoje, em 2023, os efeitos da pandemia, a inflação e os juros altos, a guerra na Ucrânia, as alterações climáticas, a recessão na Alemanha, os fluxos migratórios, a crise das instituições onusianas, a fome e a pobreza no mundo, e agora, também, a guerra no Médio Oriente, estão aí para mostrar à evidência que as reformas da União Europeia são absolutamente necessárias.

Hoje, em 2023, perante os efeitos acumulados da guerra, o impasse salta à vista quando se trata de dosear o esforço entre política externa e política interna. A União Europeia não tem condições políticas para afirmar as prioridades da sua política externa e restabelecer a ordem no regime global, em segundo lugar, não consegue assegurar um crescimento económico duradouro, um bem comum inestimável para todas as regiões do mundo, e, por último, não garante que o esforço de ajustamento seja realizado simetricamente, isto é, ao mesmo tempo por redução de despesa dos países deficitários e aumento de despesa dos países excedentários. Sem uma regulação muito forte não há políticas domésticas europeias e nacionais que resistam a estas disfunções macroeconómicas. Em consequência dessas disfunções, sobe o custo de oportunidade do investimento e baixam a eficácia, eficiência e efetividade das políticas públicas.

Quanto à ideia de Federação de Estados, ela não é nova e inscreve-se na grande tradição do projeto europeu, do método Monnet e da sua política de pequenos passos. A ideia base tem sido, sucessivamente, denominada federal, comunitária e unionista, mas, na sua origem, está sempre o mesmo princípio nuclear, a saber, a precedência do duplo soberano nacional (os povos e os estados) sobre as instituições europeias seja qual for o nível de soberania partilhado já atingido. Dentro deste princípio nuclear e em função das necessidades, das crises e relações de poder, a ideia de mais ou menos federação varia, historicamente, em redor das atribuições e competências transferidas (princípio da subordinação material aos tratados das competências de atribuição), dos processos de tomada de decisão (unanimidade e as diferentes maiorias) e dos mecanismos de escrutínio e controlo de subsidiariedade no que respeita à implementação das políticas europeias.

Foto
Parlamento Europeu, em Estrasburgo, em Junho passado, com a bandeira ucraniana entre as bandeiras dos Estados-membros da União Europeia EPA/JULIEN WARNAND

A história do projeto europeu é bem conhecida. O período que decorre entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o fim da Guerra Fria (1989) é marcado por uma filosofia de integração funcionalista, jurídico-económica e tecnocrática, no quadro mais geral das relações bipolares definidas pelas duas grandes superpotências. O período que decorre entre a queda do muro de Berlim (1989) e o momento de ratificação do tratado constitucional (2005) é marcado por uma filosofia de integração mais voluntarista, política e institucionalmente, em que se destaca a criação de uma moeda única. O período que se inicia com o veto de França e Holanda (2005) ao tratado constitucional, com passagem pelo tratado de Lisboa, e, por fim, a grande crise sistémica de 2008 é marcado pelo regresso do intergovernamentalismo, a multiplicação das cimeiras europeias e os encontros informais do diretório franco-alemão. Em todos estes saltos o contexto histórico é determinante. Não são, geralmente, os tratados que determinam a política europeia, são, antes, os acontecimentos que desencadeiam os rearranjos político-institucionais.

Finalmente, em 2016, com o "Brexit" e a eleição de Donald Trump começa um novo período, marcado ainda pela epidemia da covid-19, as crises migratórias, os impactos das alterações climáticas e os efeitos diretos e indiretos originados pelas sanções da guerra da Ucrânia, entre os quais a inflação e os juros altos. É aqui que nós estamos, ou seja, num impasse em termos de estratégia política europeia para o futuro mais próximo onde o fator mais crítico é, mesmo, a duração da guerra na Ucrânia e a erosão geopolítica e geoeconómica que ela é capaz de gerar, sobretudo no espaço europeu.

(Continua….)

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