As mordaças ao investimento

Parece que é “pecado” baixar os impostos sobre os lucros das empresas. Será que alguém fez contas ao investimento que poderia surgir, por sermos competitivos em termos de impostos corporativos?

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Numa altura em que o AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal procura reforçar a atração de investimento estrangeiro para Portugal e como o sucesso ao longo das suas duas décadas de existência tem sido reduzido, talvez convenha refletir sobre as causas da pouca atratividade do citado investimento.

Antes de mais, convém relembrar que investimento estrangeiro de qualidade e com elevado valor acrescentado é do que o nosso país mais necessita, porque transfere consigo capital intelectual, equipamentos altamente produtivos e formas de gestão inovadoras, que em conjunto contribuem para elevadas produtividades e salários superiores à média nacional. Estes efeitos transbordam para a restante economia e de uma forma rápida os benefícios começam a surgir. Os países competem ferozmente por estes investimentos, saindo vencedores os que apresentam melhores condições.

Então o que tem faltado a Portugal para conseguir atrair investimento direto estrangeiro de qualidade? Enquanto no passado os baixos salários dos portugueses poderiam marcar a diferença entre atrair investimento ou não, hoje esse fator tornou-se pouco importante, pois a nossa competição situa-se uns patamares acima.

Cada vez mais, os investidores internacionais tomam as suas decisões atendendo à qualidade das instituições, para decidir o local para o seu investimento. Quer estejamos a falar de instituições formais ou informais devem reduzir a incerteza, associada à interação humana e contribuir para estabelecer o que os indivíduos devem ou não fazer em diferentes circunstâncias, fornecendo às sociedades uma estrutura previsível de interação.

Com instituições fracas existem substanciais incertezas, que podem aumentar os custos de produção e perturbar cadeias de abastecimento, reduzindo assim a competitividade.

Dada a importância das instituições, não é surpreendente observar que o foco dos investidores estrangeiros mudou das tradicionais vantagens de localização para as denominadas vantagens de localização criativas, que ainda apresentam a mais-valia de incluir ativos e instituições baseadas no conhecimento. Instituições fortes representam os principais fatores imóveis, num mercado globalizado.

Apesar de ter sido reduzida, Portugal continua a ter uma burocracia excessiva que leva a atrasos desnecessários. Por outro lado, continuamos a ser conotados como um país de elevada corrupção e complacente com a mesma. O sistema judicial pura e simplesmente não funciona. É impensável que um processo demore vários anos a ter o seu fim. Somos todos complacentes com isto. Não é aceitável que processos de insolvência se arrastem durante intermináveis anos, principalmente quando existe património e credores para ressarcir. Somos todos complacentes com isto. Não é aceitável que os denominados megaprocessos de corrupção que, de uma forma direta ou indireta, podem ter delapidado o erário público se arrastem na justiça, ano após ano, talvez até à morte dos acusados. Também somos todos complacentes com isto.

Não é aceitável que processos nos tribunais administrativos e fiscais demorem anos e anos a serem resolvidos (muitos, mais de uma década). Qual é o investidor internacional que coloca cá o seu capital se necessitar de recorrer a estes tribunais, em virtude de um diferendo com a Autoridade Tributária ou algum organismo público, que mesmo sem terem razão e perdendo etapa a etapa, recorre até às últimas instâncias para “empurrarem com a barriga” e complicar a vida ao investidor e contribuinte? Claro que primeiro tem de pagar e muitos anos depois logo se vê. Só se for um investidor masoquista ou que queira branquear capitais. Mais uma vez somos todos complacentes com isto.

Tal como referiu o Presidente da República, ou se muda de vida ou pode acontecer o que se verificou em outubro de 1910, em maio de 1926 ou em abril de 1974, em que as mudanças nem sempre foram para melhor.

Outro fator também fulcral na decisão de investir ou não é a carga fiscal corporativa, que em Portugal é historicamente elevada. Por questões ideológicas parece que é “pecado” baixar os impostos sobre os lucros das empresas. Será que alguém fez contas ao investimento nacional ou internacional que poderia surgir, por sermos competitivos em termos de impostos corporativos? Será que existiria mesmo uma queda de receita fiscal em IRC? Será que os impostos e contribuições adicionais dos trabalhadores e das empresas, que surgiriam a reboque desse investimento não compensaria uma eventual queda das receitas de IRC, tanto mais que estamos a falar de remunerações claramente superiores à média nacional? Será que não se contabilizou o IVA e outros impostos, que adicionalmente se arrecadariam com o aumento do poder de compra?

Na altura de se tomar uma decisão sobre a localização dos investimentos, muitos fatores pesam nessa decisão. Talvez valha a pena pensarmos nisto, ou então por agora deixar tudo como está, que também é uma opção.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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