O mundo vai deixar de “tolerar” o regime iraniano

“Todos nós consideramos este prémio um reconhecimento da luta do povo iraniano contra a tiraria, especialmente contra o apartheid de género”, diz o porta-voz da ONG Direitos Humanos no Irão.

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Mahmood Amiry-Moghaddam, neurocientista e activista norueguês-iraniano Reza Ganji/Wikimedia Commons

Depois de "um ano muito duro, com uma reacção brutal do regime aos protestos e agora, nos últimos dias, a situação de Armita Garavan, a adolescente de 16 anos que está em coma", Mahmood Amiry-Moghaddam acreditava que o Nobel da Paz poderia ser mesmo atribuído à activista iraniana Narges Mohammadi. Mesmo assim, diz, foi "comovente ouvir a presidente do comité começar o seu discurso com as palavras 'Mulher, vida, liberdade'".

Que impacto pode ter este Nobel? Pode levar finalmente alguns países a adoptar posições mais duras, expulsando embaixadores, por exemplo, como defende o movimento de protesto na diáspora?
O aspecto mais importante do Nobel da Paz é pôr um assunto na agenda política. Espero que ajude a mobilizar o mundo contra as atrocidades, contra a repressão da mulher iraniana, que é feita a pretexto da religião e da cultura, mas é apenas discriminação, apartheid. Espero que tenha o mesmo impacto que o Nobel de 1993 teve na África do Sul do apartheid. A certa altura, a comunidade internacional decidiu que não podia mais tolerar o apartheid racial. Ainda não estamos lá, mas estamos a chegar. Não podemos tolerar que as mulheres sejam tratadas como cidadãos de segunda por serem mulheres, não podemos tolerar que uma rapariga esteja em coma por não tapar os cabelos.

Falta que algum país importante dê o primeiro passo?
Se um país começar a chamar ao regime aquilo que o regime é será mais fácil. A ministra alemã dos Negócios Estrangeiros [Annalena Baerbock] chamou ‘intolerável’ ao que aconteceu com Armita Garavand. E é. Não podemos sentar-nos com representes do Irão e falar sobre qualquer outra coisa que não seja uma menina estar em coma por ter sido agredida ao entrar no metro sem hijab. Quando as pessoas, as opiniões públicas, perceberem que isto é intolerável, os políticos também vão compreender.

E dentro do Irão, pode revitalizar os protestos? Ou vai aumentar a repressão de um regime que se sente humilhado?
Penso que o efeito vai ser positivo. O regime nunca esteve tão fraco como agora, não tem nada para dar a não ser repressão. Esta nova lei (Lei da Castidade e do Hijab, prestes a entrar em vigor) é um exemplo disso, como é que é possível escrever numa lei que as mulheres que não cubram o cabelo podem ser condenadas a cinco a dez anos de prisão? São os últimos cartuchos.

Todos os que trabalham para o regime vão parar de o fazer quando perceberem que o regime não tem salvação. O Irão nunca voltará ao tempo antes de Jina Mahsa ser morta. Armita sabia que era perigoso andar sem hijab, mas fê-lo na mesma. É diferente estar numa luta pensando que a vitória está muito longe e acreditar que está próxima – quando a vitória se aproxima, muitos mais se juntam à luta.

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