Álvaro Morata tem de ser, não lhe basta parecer

Ao contrário da frase feita sobre a mulher de César, a Álvaro Morata não basta parecer, tem de ser. Aos 30 anos, o espanhol está a ser, pela primeira vez, o que se esperava que já tivesse sido.

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Morata celebra pelo Atlético Reuters/ISABEL INFANTES

No futebol, o conceito de “jogador sobrevalorizado” poderia definir na perfeição a forma como boa parte do mundo olhava para Álvaro Morata. Durante anos, foi o jogador que jogou em equipas demasiado fortes para o seu nível. O jogador que falhou quando precisaram dele. O jogador que não justificou milhões. O jogador que até poderia fazer muita coisa bem, mas a quem faltava algo. E talvez isso nem sequer tenha mudado.

Nesta quarta-feira de Liga dos Campeões, marcou dois golos que permitiram ao Atlético de Madrid vencer o Feyenoord por 3-2 e terminar a noite da liderança do grupo E. Morata chegou aos sete golos em oito jogos na temporada e está, em 2023/24, a tentar construir uma imagem diferente da descrita no início do texto. E esventrando a frase feita sobre a mulher de César, com Morata é preciso ser, não basta parecer.

É que Morata construiu uma carreira longe de ser desprovida de golos, e esse é um detalhe relevante, mas, em geral, esses números foram abaixo daquilo que a produção ofensiva da equipa sugeria. E isto não é palpite: desde que saiu do Real Madrid, em 2016/17, Morata teve sete temporadas com o registo de golos sempre abaixo do valor de golos esperados (xG). Sempre, sem excepção.

Esta métrica permite aferir que Morata tinha oportunidades de golo de alta probabilidade de sucesso, mas que não lhes dava esse sucesso. Esta temporada está a ser a primeira em que supera o xG – na Liga espanhola marcou cinco, mas “só deveria” ter marcado três.

Durante anos, Morata parecia ser, mas não era. Mas os motivos das críticas a Morata não foram apenas pelas oportunidades de golo perdidas semana após semana. É que este avançado espanhol mostrava ser um autêntico desperdício de talento, já que sempre mostrou ser um “avançado total”.

Sempre foi um jogador ambidestro, com técnica bastante razoável e bom cabeceador. Apesar de ser alto, tem muita mobilidade, além de ser dos melhores do mundo a jogar em apoios frontais, segurando a bola de costas para a baliza. E sempre teve capacidade de jogar em largura e no ataque ao espaço – os mapas de calor das zonas que pisa atestam-no. É ainda bastante voluntarioso no plano defensivo. Em suma, tem tudo – tudo, menos os golos (um pouco à imagem de Abel Ruiz, jogador do Sp. Braga).

Pode dizer-se até que o motivo pelo qual João Félix falhou no Atlético de Madrid é o mesmo pelo qual Morata dá certo. É um jogador que pressiona, sozinho, dois centrais adversários e que se sacrifica pela equipa em duelos aéreos e apoios frontais, além de não ter problema em ser a “ilha” quando a equipa está a jogar mais baixo.

Diego Simeone disse já nesta temporada o que vê em Morata: “Não temos ninguém como ele. Pode jogar nas costas da defesa adversária e estica o nosso jogo vertical, fazendo o campo mais aberto. E também é um grande cabeceador”.

E é curioso que esta temporada de Morata, com um arranque bem acima das anteriores, surja semanas depois de ter tido a possibilidade de assegurar o futuro dos filhos, dos netos e, quem sabe, dos bisnetos.

No Verão, o Al Taawoun acenou com 42 milhões de euros por cada uma das três temporadas de contrato – um valor tremendo, mesmo para alguém já abastado, depois de ter passado por clubes como Real Madrid, Chelsea, Juventus e Atlético. Morata trocou o dinheiro pela possibilidade, dita pelo próprio, de ganhar um título pelo Atlético. Se continuar a jogar como até agora, a equipa ficará mais perto disso.

Também na selecção está a ganhar relevância, quer pelos golos, quer pelo estatuto de capitão. No clube e na selecção, Morata está a tentar ser, além de parecer.

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