Yamal e o Barcelona extraíram da pobreza uma história de futebol

O FC Porto vai conhecer Yamal, criança de 16 anos que já é idolatrada onde cresceu. Pelo Barcelona, faz questão de mostrar que podem ter tirado Yamal do bairro, mas não tiraram o bairro de Yamal.

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Lamine Yamal celebra pelo Barcelona Reuters/ALBERT GEA
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“Estamos a ser destruídos pela imigração, pela droga, por tudo. O bairro está a ficar uma merda e ninguém faz nada. É um gueto. Este rapaz tornou-se um ídolo para os mais novos, um exemplo a seguir. Quando ele vem cá, seguem-no como uma manada. É um motivo de orgulho o facto de ele dizer que é de Rocafonda, porque um bairro tão desestruturado como este precisa de alguém que lhe dê voz. Pelo menos as crianças que estão na rua todo o dia dizem: 'uau, há uma saída'".

Este relato ao El Periódico é de uma moradora do bairro de Rocafonda, de onde saiu orgulhosamente uma criança que deverá, nesta quarta-feira, subir ao relvado do Estádio do Dragão.

Lamine Yamal, já no plantel principal do Barcelona, é uma criança que ainda só jogou dois anos e meio de futebol de 11 – nem Messi chegou ao futebol sénior com tão pouca experiência.

Nascido em 2007, Yamal é mais um dos que pôde crescer com uma fotografia ao lado de Messi colada na parede do quarto. Hoje, apesar de ter apenas 16 anos, completados há três meses, Yamal já é, para muitos jovens, o que Messi foi para si.

“Pedri? Não. O meu ídolo é Lamine Yamal. Gostaria de ser como ele”, disse também ao El Periódico um jovem de Rocafonda que vestia a camisola de Pedri, apesar de balizar a sua ambição com o exemplo de Yamal.

Filho de pai marroquino e mãe da Guiné Equatorial, Yamal cresceu num bairro que, segundo as estatísticas, tem quase metade da população em risco de pobreza. É também o bairro com maior percentagem de casas sobrelotadas e no qual as histórias que há para contar envolvem mais criminalidade e droga do que sucesso e virtude. Até sair Yamal.

Motorista tem emprego para durar

Quando percebeu que tinha um filho especial na vertente futebolística, o pai de Lamine teve uma conversa com o Barcelona. Disse-lhes que se quisessem que o filho continuasse por lá teriam de lhe dar educação – para a qual os pais não tinham dinheiro suficiente.

Não passou muito tempo entre a fase em que o pai levava Yamal aos treinos e uma outra, mais tarde, na qual a criança passou a viver na academia de La Masía. Nem poderia ter passado, porque estamos a falar de um rapaz de apenas 16 anos.

Também por isso o primo Mohamed, de 28 anos, se regozije com o seu emprego de motorista de Yamal: “No mínimo, tenho trabalho para os próximos anos”.

O Barcelona tirou Yamal do bairro, mas não tirou o bairro de Yamal. O jogador celebra os golos fazendo “304” com os dedos – simbolizando o código postal de Rocafonda (08304).

Apesar de ser descrito como alguém tímido, correcto, humilde e discreto, a vivência num bairro difícil incute sempre alguma fibra – que pode ser usada para o bem ou para o mal.

Com Lamine, não foi sempre para o bem. O jogador foi afastado da selecção espanhola sub-17 depois de se ter juntado a dois colegas na violação das regras do grupo.

Não foi especificado publicamente o comportamento de indisciplina, mas foi grave o suficiente para ser afastado da convocatória e para até o próprio Barcelona se ter juntado à Federação espanhola no castigo ao jogador – esteve quatro partidas de fora na equipa de juvenis.

Mais um “novo Messi”

Mas o herói do bairro tem tido, em geral, um percurso de mérito. Tem a escola em dia, passando todos os anos, e, no futebol, ninguém lhe pode apontar nada: tornou-se o mais jovem de sempre a jogar pelo Barcelona e pela selecção espanhola – sim, a selecção principal. E já sob a "asa" de Jorge Mendes, o jogador tem o contrato profissional na mão, com uma cláusula de mil milhões de euros.

Ao lado de alguns craques com idade para serem seus pais, Lamine não tem precisado de “colinho”, facilidades ou condescendência. Tem feito o caminho por si próprio, com recurso a um pé esquerdo de grande qualidade. É um ala rápido e forte no drible, que actua pelo lado direito, de “pé trocado”.

Estes predicados valeram-lhe rapidamente comparações com Lionel Messi, mas a diferença entre tornar-se um Messi ou um Jeffrén Suárez (jogador criado no Barcelona e que nunca conseguiu confirmar o potencial), por exemplo, poderá não ser assim tão grande.

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