“Este país está uma confusão gigante”: os rostos da manifestação pela habitação
Portugueses e estrangeiros, dos 20 aos 76 anos. O P3 ouviu as histórias de quem saiu à rua este sábado para marchar com o movimento Casa para Viver e Planeta para Habitar.
Marta Saraiva: “O meu senhorio queria expulsar-me. Hoje não sabia se me ia manter no mesmo sítio”
Marta Saraiva, de 27 anos, esteve quase para ir à manifestação desta tarde sem uma casa para onde voltar ao fim do dia. "O meu senhorio aumentou-me a renda em 120 euros. Por sorte, pude pagar", começa. "Eu digo sorte, mas o meu senhorio quis expulsar-me. Hoje não sabia se me iria manter no sítio onde estou a viver."
Apesar de, desta vez, ter conseguido arcar com o aumento, a designer gráfica de Algés ainda não se sente segura: "Actualmente não tenho contrato de trabalho. Se o meu senhorio decide aumentar-me outra vez, não vou conseguir manter-me. E mesmo assim estou numa casa superbarata, tendo em conta a realidade em Lisboa."
"Este país está uma confusão gigante, vendido aos turistas. A minha geração cada vez se sente mais encurralada, não vê esperança no seu país de origem. As rendas estão absurdamente altas. A habitação é um direito, porque é que não há casas para jovens? Porque é que temos de emigrar para ter condições de vida e conseguir poupar minimamente?", questiona-se.
João Santos: “Assusta-me ver tantos estudantes, como eu, incapazes de pagar por um tecto”
João Santos, de 20 anos, é estudante deslocado. As rendas cada vez mais elevadas preocupam-no. “Assusta-me olhar para tantos estudantes na mesma condição que eu, longe de casa, e incapazes de pagar por um tecto para morar”, declara.
Considera que a actual situação da habitação “é um absurdo” e por isso sai à rua, no Porto. “Não estou aqui só por mim, mas por tantos outros em condições semelhantes”, reforça.
André Dias tem “medo de sair de uma situação que não é boa para uma [ainda] pior”
Aos 28 anos, André Dias tem um trabalho e vive numa casa arrendada com outras pessoas. Teve a sorte de poder arrendar, diz, deixando de fazer parte daqueles que, perto dos 30 anos, ainda vivem em casa dos pais. A essa sorte, como lhe chama, de ter encontrado uma casa a um preço possível, em Arroios, Lisboa, junta-se a incerteza do futuro e a tensão diária de lidar com uma situação cada vez mais difícil e imprevisível.
Desce a Avenida Almirante Reis com um sorriso estampado na cara e a ideologia no cartaz que empunha. Os problemas? São muitos. Mas, para escolher um, diz: “Tem havido tentativas sucessivas por parte dos senhorios para usar as medidas do Governo para renegociar os contratos e aumentar as rendas.”
De cada vez que o Governo anuncia uma nova medida, como aconteceu com o programa de renda acessível ou o limite de 2% de aumento de rendas, os proprietários “aproveitam para renegociar os contratos”, diz. “A situação é muito difícil, mas teme-se que venha a ser pior. As pessoas sujeitam-se, com medo de sair de uma situação que não é boa para uma situação [ainda] pior.”
Joana e Mariana, irmãs, queriam sair juntas de casa dos pais — “mas é impossível”
Joana, de 31 anos, e Mariana, de 32, são irmãs e vieram de Alenquer para estarem presentes nesta manifestação em Lisboa – a segunda a que vêm. “Ainda moramos na casa dos nossos pais. Gostávamos de sair, viver em Lisboa, mas, neste momento, é impossível”, disseram ao P3 já na recta final do protesto.
“Mesmo juntas, não conseguimos ter um ordenado para ter casa em Lisboa. São duas horas que gastamos a ir e outras duas a voltar. Apanhamos dois autocarros e um comboio, mas com a Carris, CP e Boa Viagem é sempre incerto, depende dos dias”, explica Mariana.
Joana trabalha como designer; Mariana está neste momento desempregada – mas este problema não é de agora, porque há vários anos que tentam sair. “Encontramos T1, em que, mesmo assim, partilharíamos o quarto, e não achamos nada abaixo dos 1000 euros. Com 30 anos já não estamos numa fase da vida em que queiramos partilhar casa com desconhecidos.”
Teresa Campos sai à rua em solidariedade para com as pessoas que não têm habitação
Teresa Campos participa com amigos na manifestação por solidariedade com as pessoas que não têm habitação. A figurinista de 76 anos tem casa própria no Alto de São João, em Lisboa, porque, como diz, é do tempo em que os senhorios queriam vender as casas porque não podiam aumentar as rendas.
“Há centenas de casas vazias, da câmara, da GNR, do Estado, da Segurança Social, há uma escola desactivada entre o bairro de Madredeus e Marvila. Em Alcântara há uma rua cheia de casas vazias”, diz, ao mesmo tempo que defende que as políticas se deviam centrar em recuperar esses espaços. “Isso não solucionava tudo, mas ajudaria a resolver muitos dos problemas que as pessoas enfrentam.”
Teresa Campos, que viveu em ditadura, não entende os cartazes que dizem: “Fascismo nunca mais.” Para ela, “o problema que se põe hoje não é o fascismo, mas a falta de democracia.” E diz que não percebe onde estão os políticos e deputados de todo o espectro político, que não se vêem nos serviços públicos, nos hospitais, centros de saúde, nos transportes. Onde estão os deputados do Bloco de Esquerda? E os de todos os partidos? Eles já fizeram a democracia deles. Agora temos nós — povo — de lutar pela nossa.”
Ana vive no Bonfim e vai ser despejada: “Não passo de hoje, não tenho como pagar”
“Estou em situação de despejo”, diz Ana da Conceição Carvalho, de 58 anos, com a voz embargada. O desespero sente-se. “Sou empregada doméstica e moro num quarto de uma pensão na zona do Bonfim”, no Porto, explica. A situação precária em que se encontrava piorou quando o “senhorio decidiu aumentar a renda”. “Ele pede demasiado dinheiro e eu não tenho como pagar”, confessa.
Leonor Figueiredo quer “pressionar o poder político”
Leonor Figueiredo, de 31 anos, considera que “chegámos a um ponto de ebulição”. Os problemas? A gentrificação e a especulação imobiliária, que empurraram a situação para um ponto onde “já não é possível aguentar mais”.
A assessora conta que “as pessoas não têm onde viver”, “os estudantes não têm quartos” e acha que deve haver regras quanto à proliferação de alojamentos locais nos centros das cidades, porque “empurram as famílias para fora das suas casas”. Saiu à rua este sábado, no Porto, como “forma de pressionar o poder político” a tomar medidas, afirma.
Sara é uma italiana a viver em Lisboa: “Os portugueses têm de lutar”
O cartaz de Sara chama a atenção pelas cores vibrantes; nele lê-se “Eat your landlord” (ou “come o teu senhorio”, numa tradução literal). A autora do cartaz é italiana, a viver em Portugal enquanto completa o doutoramento em Estudos de Género. Diz ao P3 que a “história de amor” com Portugal já vem de trás – os pais eram uns apaixonados pelo país – e, há dois anos, tomou a decisão de se instalar permanentemente aqui.
“Estou aqui só há dois anos e já vi a cidade mudar tanto”, afirma. “É impossível não notar que o grande capital está a destruir tudo o que envolve a cidade, quer se trate de qualidade de vida, espaço comunitário… Por isso é crucial agir e deixar uma mensagem ao Governo.”
O primeiro lugar onde viveu foi um quarto que encontrou através da plataforma Uniplaces. “Tive de sair porque a renda aumentou 150 euros, de 420 para 570 euros. Era impossível para mim. Demorei seis meses a encontrar uma casa e mesmo assim é cara: são 1200 euros por três quartos. Infelizmente, é a média de Lisboa”, lamenta.
“A minha senhoria é dona do prédio e mesmo assim diz que não tem dinheiro suficiente para a manutenção básica. Tenho um contrato que dura mais dois anos, estou protegida, sei que estou numa situação privilegiada.”
Nunca sentiu animosidade por parte dos portugueses por ser estrangeira: “Acho que eles sabem que em Itália estamos igual.” “O que eu noto nos portugueses é conformismo, têm de lutar mais.”
Madalena Castro sai à rua porque é “difícil imaginar” quando sairá de casa dos pais
Madalena Castro tem 22 anos, é estudante e faz parte do Movimento Democrático de Mulheres. Diz “compreender o problema geral da habitação”, mas olha para a situação das mulheres em particular porque “recebem salários mais baixos e têm trabalhos mais precários”.
Ao P3, no Porto, conta que situação actual com os aumentos das rendas e especulação imobiliária é “incomportável” para todos, mas especialmente para os jovens, como é o seu caso. “Sou estudante e esta crise afecta a minha família, pela dificuldade que é manter a casa”, avança. As “perspectivas de futuro” também não são animadoras: “É difícil imaginar” quando terá possibilidade de sair de casa dos pais.