As 37 + 1 virgens ofendidas da cidade do Porto, 11 anos depois

Rui Moreira não está a ser presidente da Câmara Municipal do Porto, está, isso sim, a desempenhar funções de crítico de arte e não foi para isso que foi eleito.

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São 37 os signatários da petição que pede a remoção da estátua inaugurada há 11 anos na cidade do Porto que representa a obra de Camilo Castelo Branco escrita enquanto este esteve preso. Amor de perdição é considerada a obra principal do escritor e uma das mais importantes da fase do Romantismo em Portugal.

Rui Rio, ainda na qualidade de presidente da Câmara Municipal da brilhante cidade do Porto, inaugurou a estátua junto à cadeia da Relação, onde, passados 11 anos, repito 11 anos, a escultura parece incomodar pelo seu cariz “mais ou menos pornográfico”.

Rui Moreira, que endossa a petição ao vereador com o pelouro da Cultura, acede ao apelo dos signatários com a nota “mandar desentulhar tão lamentável peça".

Quem conhece a obra que agora se quer esconder aos olhos de quem passe no Largo do Amor de Perdição sabe que toda ela é sinónimo de arte e de uma interpretação intemporal por parte do autor sobre o mais importante romancista português. Os signatários, e Rui Moreira, entendem que 11 anos depois da inauguração da estátua ela é indigna e de mau gosto. A personagem que Camilo abraça na obra, uma mulher que se encontra nua, afigura-se, para os signatários, uma representação desigual – por uma questão de igualdade, entende-se que "deviam estar os dois nus ou vestidos".

Mais dizem os signatários sobre a obra: "Os nossos olhos pousavam em semelhante objeto, mas não dávamos notícia do nosso desgosto. Chegou o momento de o fazermos, e ao nosso desgosto estético acabou por se juntar uma desaprovação moral. O grande amor de Camilo foi Ana Plácido, cuja memória não merece o ultraje de se pôr o génio do Amor de Perdição e das Novelas do Minho abraçado a um exemplar mais ou menos pornográfico".

Durante 11 anos, não se demonstrou qualquer desgosto nem houve qualquer desaprovação moral. E todo este argumentário e fundamento para que a obra seja removida tem origem no Partido Comunista, pela voz de Ilda Figueiredo.

Espantosamente assistimos ao “amén” político de Rui Moreira a tudo isto, em que claramente cede aos anseios de 37 virgens ofendidas que mantiveram a sua indignação em silêncio durante todo este tempo.

A obra está no sítio certo, é uma das mais belas e representa a mais importante obra literária de Camilo que cidade do Porto tão bem homenageou. Assim deverá ficar e não há justificação alguma para que agora seja removida.

De quase pornográfico não tem coisa alguma, só aos olhos de 37 signatários a juntar mais um que não o é – concordando, passou a sê-lo – é que se poderá ver aquilo que ela não tem. Não se gosta e depois inventa-se uns argumentos para ela desaparecer 11 anos depois. Ridículo.

Não gostar de uma obra de arte é um direito que assiste a qualquer um. Porém é incompreensível demonstrar politicamente a cultura do gosto. Ditar a ordem de retirada da “tão lamentável peça" é uma posição política que tem como base e ponto de partida uma mera opinião pessoal. Rui Moreira concorda com o fundamento pessoal dos 37 signatários que não passa disso mesmo; de uma opinião e gosto pessoal com a qual um político nada pode fazer – podendo, obviamente, a título pessoal, dar também a sua livre opinião.

Ao emitir qualquer juízo notoriamente pessoal, fundamentando esse mesmo juízo em questões meramente de gosto individual como é claro no caso "sub judice", no exercício do cargo que ocupa, Rui Moreira não está a ser presidente da Câmara Municipal do Porto, está, isso sim, a desempenhar funções de crítico de arte e não foi para isso que foi eleito.

A estátua em bronze, de quatro metros, foi oferecida por Francisco Simões no ano em que se celebraram os 150 anos da publicação do romance Amor de Perdição: em 2012. E por sugestão da Comissão de Toponímia, o largo da Cadeia da Relação mudou de nome: passou a chamar-se Largo do Amor de Perdição.

Fosse Eça vivo, o que escreveria ele sobre este triste espectáculo que se vive na cidade do Porto?

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