Queda de granizo custou a produtor de Macedo de Cavaleiros mais de metade da produção

Os cachos estavam prontos a cortar quando o granizo deitou por terra quase toda a produção de tintos da Valle Pradinhos. Mais a Norte, produtores vizinhos, como a Encostas de Sonim, foram poupados.

Foto
Em Valpaços, no Casal de Valle Pradinhos, o granizo deitou por terra "90% das uvas tintas", que ainda estavam por vindimar no último fim de semana
Ouça este artigo
00:00
06:26

O ano rendera “imenso”, as videiras estavam carregadinhas e parecia que 2023 seria “um ano fantástico”. A campanha começara a 25 de Agosto e os brancos já estavam vindimados. Mais uma semana e seriam apanhadas as primeiras castas tintas – as mais precoces, as outras ficariam para meados deste mês. Mas o granizo do tamanho “de bolas de pingue-pongue” que caiu na zona de Valpaços, Trás-os-Montes, no último fim-de-semana, deitou por terra quase toda a produção de tintos no Casal de Valle Pradinhos, naquele território mas já no concelho de Macedo de Cavaleiros.

“Era enorme, pareciam bolas de pingue-pongue, um horror. A única coisa que conseguimos vindimar foi o branco. Do tinto, só vindimámos 8.000 quilos. O resto foi tudo ao ar. Uma desgraça”, descreve Maria Antónia Mascarenhas, proprietária da quinta. A produtora ainda não fez contas aos prejuízos, mas olhando à produção anual da Valle Pradinhos e ao peso dos tintos na exploração percebe-se a extensão da perda.

A produção média anual ronda as “260 mil garrafas”, 80% são tintos, das vinhas que o granizo apanhou. Em vez de 8.000 quilos, e, claro, dependendo dos anos, a vindima dos tintos “costuma render 80.000 quilos. [A perda] é de quase 90% nas castas tintas”. Um ano que prometia e que ficou praticamente perdido.

“Tenho seguro, mas na minha gestão nunca precisei de o activar. Este ano claro que o activei. Estamos a recolher dados. Mas não vai cobrir tudo. Ninguém cobre o mercado do vinho, [as vendas] que eu não fiz”, partilha, sem grandes esperanças.

O seguro não é à partida obrigatório, explica Maria Antónia Mascarenhas, mas quem se candidata a apoios, por exemplo, tem mesmo de o fazer. É o seu caso. Uma garantia, ou assim espera, que lhe custa “4 mil euros por ano”, um valor mais em conta do que aquele que pagaria se tivesse feito o seguro em conjunto com “outros produtores, através da APPITAD”, a Associação dos Produtores em Protecção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro, de que é associada.

Para além de cirúrgico no território – o granizo afectou outros pequenos viticultores, que apenas produzem vinho para consumo em casa, a Valle Pradinhos foi o único produtor-engarrafador –, o mau tempo teve um timing madrasto. Estavam por vindimar as uvas tintas que dão os melhores vinhos da casa. “Eu faço vários vinhos e os premium não pude fazer, fiquei sem essa produção. Só fiz um, porque comprei uva. Todos os anos compro alguma uva, porque as minhas vendas aumentaram e vendo mais do que produzo.”

Maria Antónia Mascarenhas tem por hábito fazer “stocks”, deixar o vinho a estagiar em garrafa na adega, e são essas garrafas que lhe vão valer agora na distribuição. Na quinta, os caminhos também ficaram danificados. Quando acabar a vinificação, vai ter de os acudir. “E acho que o seguro é só para a vinha.”

A propriedade do Casal de Valle Pradinhos tem 460 hectares, 42 são de vinha, e Maria Antónia está a plantar “mais 6 hectares, de branco”. Herdou da avó a quinta, que gere há “uns 30 anos”, tantos quantos os que têm as suas vinhas mais novas – “o resto é tudo daí para cima”, vinhas mais velhas, quer dizer – e continua a investir. “Daqui a um ou dois anos, devo chegar aos 50 hectares de vinha.”

Por agora, o investimento poderá ter de ser outro: “pôr redes nas vinhas”. “São muito caras, mas aos poucos vai-se pondo. Protegem das geadas, do granizo, do calor excessivo. Se continuar assim, vamos ter de pôr, vamos ter de fazer alguma coisa”, diz a produtora, como quem ainda não se refez do golpe.

Uma questão de sorte e azar

Valle Pradinhos teve o azar de estar localizada onde está. O mau tempo de há uma semana afectou os concelhos de Macedo de Cavaleiros, Mirandela e Valpaços (onde o granizo atingiu uma maior área de culturas agrícolas) e na zona Norte deste concelho poupou a produção de casas de vinho vizinhas. “Felizmente não fomos afectados”, diz-nos ao telefone Hélder Martins, da Encostas de Sonim, que estava no centro de Valpaços quando o céu se abriu e começou a cuspir “pedras do tamanho de castanhas”.

“A coisa foi feia mesmo, eu estava em Valpaços, comecei a ver cair pedra e aquilo pareciam castanhas, nunca tinha visto nada assim e de repente ficou tudo branco, como um nevão”, conta o engenheiro civil que um dia assumiu o projecto iniciado pelo sogro, Fernando Pessoa, em Sonim (e hoje com 18 hectares de vinha e uma das maiores parcelas de vinha velha na região) e assim se fez produtor. Hélder teve estragos em casa e num carro, que tinha estacionado na rua. “Se não fossem os seguros, era uma tragédia.”

Dos registos que tem, de 16 anos à frente da adega, “as vindimas dos brancos foram sempre entre 26 de Agosto e 6 de Setembro”. Este ano, começou a cortar as castas brancas a 20 de Agosto. As gentes da aldeia, com quem troca “impressões todos os dias”, ainda acham estranho ver vindimar ali em Agosto.

Em Trás-os-Montes, e segundo a Comissão Vitivinícola Regional, o primeiro comunicado de vindima aconteceu bem cedo, a 3 de Agosto. A campanha arrancou com Valter Cadavez, em Mirandela, numa zona que habitualmente já é adiantada por natureza, e com castas, no caso daquele produtor, que são também elas "de maturação um pouco mais precoce, como o Viosinho ou o Gewurztraminer".

Foto
A Norte do concelho, Hélder Martins, da Encostas de Sonim, escapou à fúria do granizo que caiu em Valpaços no último fim de semana Maria João Gala

“As vindimas este ano estão bastante temporãs, anteciparam-se bastante. Cortámos os brancos e já fizemos os rosés também. E grande parte dos tintos", continua Hélder Martins, que não se lembra "de cortar uvas tintas em Agosto". "E este ano a Vinha Velha, a Tinta Roriz e a Tinta Amarela já foram cortadas em Agosto e com uma graduação [alcoólica] entre os 14% e os 15%.”

Quando falou ao PÚBLICO no início da semana, Hélder disse que esperaria que a chuva parasse para cortar o resto. Felizmente, a chuva é pouca e não tem outra consequência a não ser a de parar a vindima, explica. “Se for pouca, até ajuda a equilibrar a uva. E se levantar o tempo, até terá sido muito bom. Vem mais vinho para o lagar.” Pela qualidade e pela quantidade – antecipa “ligeiro aumento de produção, 10% a 15%” –, também ele fala num “ano fantástico”.

Esta notícia foi corrigida às 15h55, Casal de Valle Pradinhos fica em Macedo de Cavaleiros e não Valpaços.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários