Em busca de uma terceira via?

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1. Os últimos anos desportivos têm vivido, entre outras tensões, sob o signo da controvérsia no que se refere à participação de mulheres transexuais em competições desportivas femininas. Dos argumentos adiantados nesse debate – que tem sido contínuo -, uns, alimentando-se dos direitos humanos da não-discriminação, advogam essa participação sem limitações de qualquer natureza, dignificando-se com isso a própria personalidade da pessoa. Os outros, os que levantam obstáculos a essa participação, movem-se fundamentalmente com base na ideia da desigualdade entre essas pessoas e as mulheres, acusando qualquer solução de abertura, de violar o princípio da igualdade quando projectado nas competições em concreto. Também estudos médicos têm sido esgrimidos, de um lado e do outro.

2. As federações desportivas internacionais, particularmente nas modalidades individuais, têm adoptado diversas medidas ao longo do tempo verdadeiramente limitadoras daquela participação (e intrusivas na vida dessas pessoas) e, nesse sentido, os métodos utilizados deixam muito a desejar. A intervenção do Comité Olímpico Internacional, que reconhecendo a competência a essas federações, também não deixou de aludir à necessidade de alguma ponderação tendo em vista a salvaguarda dos direitos humanos. Por outro lado, ainda recentemente, embora noutro plano, não imediatamente transponível para o que nos ocupa hoje, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos veio a decidir – renhidamente entre os juízes – pelos direitos da atleta sul africana Caster Semenya (é uma mulher mas possui certas particularidades sexuais que a incluem no universo intersexo).

3. É perante este quadro – muito resumido – que chegam as primeiras notícias, umas melhores do que as outras, e concretizações práticas de uma terceira via, as competições abertas. Tal sucede, para já, na natação (World Aquatics), desde logo no próximo Campeonato do Mundo, a disputar no início de Outubro, em Berlim. Para já, haverá provas de 50m e 100m, existindo a possibilidade de serem introduzidas outras provas.

4. Também a UCI (ciclismo), adaptou as suas normas regulamentares em Julho passado, mas aqui mantendo as respostas tradicionais e restritivas. Por exemplo, uma mulher "trans" que tenha levado a cabo a “transição” depois da puberdade masculina, encontra-se proibida de participar em qualquer prova feminina. E a abertura não existe na realidade. Com efeito, o que a UCI determinou foi apenas uma alteração de designação de algumas competições Masters (acima de 30 anos). Agora a categoria de homens passa a denominar-se de Homens/Open, em que qualquer atleta que não reúna as (apertadas) condições de participação nas provas femininas pode vir a participar.

5. Com mais ou menos nuances, a questão da participação das pessoas transgénero nas competições desportivas continua na ordem do dia e, por isso, a nossa recomendação de leitura do estudo da autoria de Inês Espinhaço Gomes, na Revista de Direito do Desporto, n.º 9, Setembro/Dezembro 2021, pp. 18-38, com o título “A corrida de Caster Semenya pelos seus direitos: uma perspectiva de género e de direitos humanos”.

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