Garantir um planeta habitável não pode ficar para o futuro. É agora ou nunca

O aumento da temperatura tem impactos directos no sistema climático, na regulação de ecossistemas e na vida humana. Estabilizá-la, urgem os cientistas, significa travar de imediato as emissões de GEE.

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Segundo dados anunciados esta semana pelo Ministério do Ambiente, Portugal tem 48% do território em situação de seca severa a extrema Rui Gaudêncio
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Na histórica Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de 2015, em Paris, 196 países desenharam uma linha-limite para a manutenção do modo de vida actual na Terra, comprometendo-se a conter o aumento da temperatura média global até aos dois graus Celsius comparativamente a níveis pré-industriais, com mira nos 1,5 graus. No ano seguinte, assistiu-se à maior subida da concentração de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera até então, relatou mais tarde a Organização Mundial de Meteorologia (OMM).

“Hoje em dia temos um conhecimento profundo das trajectórias para podermos estabilizar a temperatura terrestre nos 1,5 graus, mas elas pressupõem uma clara diminuição das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e nós estamos a viver num mundo completamente em oposição a isso”, reflecte Pedro Matos Soares, investigador do grupo de Alterações Climáticas do Instituto Dom Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (IDLCC-FCUL).

Estamos em 2023 e ainda alguns pontos abaixo do tecto definido para a temperatura, mas já há muito que passámos o nível de emissões consideradas pela comunidade científica como seguras para a vida na Terra. Quem nasceu na altura em que se ultrapassaram as 350 partes por milhão (ppm) de CO₂ na atmosfera tem hoje 37 anos. O valor foi subindo desde então, à excepção de 2020, que registou reduções na ordem dos 7%.

Em Junho, o Observatório de Mauna Loa, no Havai, registava 424 ppm de CO₂ na atmosfera. De certa forma, vivemos num tempo sem precedentes para a vida do planeta. Durante milhares de anos, a atmosfera terrestre manteve níveis de dióxido de carbono relativamente equilibrados, sempre abaixo dos 350ppm – as condições nas quais a civilização humana se desenvolveu e às quais a vida na Terra está adaptada”, descreveu o reputado climatologista James Hansen.

Num relatório de Maio deste ano, a OMM indica que há uma probabilidade de 66% de o planeta ultrapassar os 1,5 graus entre 2023 e 2027, à escala anual. Pedro Matos Soares explica, porém, que este dado não rejeita per se o cumprimento do Acordo de Paris. “É preciso ter em conta que o sistema climático tem muita variabilidade, portanto, quando falamos nos 1,5 ou nos dois graus, estamos a falar em escalas de tempo de 30 anos, em média, e não de um ano”, explica.

Se olharmos para a média da temperatura global dos próximos cinco anos, a probabilidade de se excederem os 1,5 graus desce para 32%. Ainda assim, os investigadores sublinham que estamos a cruzar novos limites de temperatura com maior frequência, independentemente da escala.

“Se permitirmos que o sistema climático continue a aquecer à taxa presente e chegar, por exemplo, aos quatro graus, estamos a falar de um mundo mesmo muito diferente daquele em que vivemos”, avisa Matos Soares. Através de modelos climáticos, a sua equipa do IDLCC-FCUL consegue prever o que será esse clima, em termos globais, regionais e locais, para vários cenários de emissões. Por exemplo, Portugal tem historicamente (os dados são de entre 1971 e 2000) uma a duas ondas de calor por ano. Actualmente, a média anual está nas três. Se as metas de Paris forem cumpridas, a previsão manter-se-á.

Num cenário intermédio de aquecimento, na ordem dos três graus acima dos valores pré-industriais, as ondas de calor subiriam para cinco por ano. Se a temperatura média global subir quatro graus, viremos a sofrer perto de dez ondas de calor – um dado “extremamente alarmante” para o investigador. Acrescente-se que a duração destes fenómenos também aumentará. “Quando falamos de um mundo com mais 1,5 ou dois graus, essa diferença corresponde a termos mais mil milhões de pessoas atingidas por escassez de água e outros problemas de extremos climáticos a nível global”, nota Pedro Matos Soares. Estes extremos climáticos “são o novo normal e não são uma surpresa”, apontou Álvaro Silva, especialista da OMM.

É preciso que as soluções custem menos do que os problemas

A definição de sustentabilidade, essa palavra desbotada na gíria actual, tem como objectivo nuclear a renovação dos recursos naturais existentes para as gerações futuras. Tudo o que (não) se está a fazer já define o tamanho da hipoteca que deixaremos a quem vier a seguir, medida em ppm. “Se hoje disséssemos, como sociedade, que não vamos emitir mais GEE, o aquecimento, ainda que diminuísse gradualmente, continuaria por mais décadas”, reflecte Pedro Matos Soares. Isto porque estes gases podem durar algures entre meses e milhares de anos a dissolverem-se nos oceanos.

Entre 65% e 80% do maior componente dos GEE, o CO₂, permanece na atmosfera, aquecendo-a, por 20 a 200 anos. Além disso, os investimentos feitos agora na produção de combustíveis fósseis “indiciam ciclos de actividade para os próximos 25-30 anos, com a respectiva emissão de gases com efeito de estufa”, lembra Júlia Seixas. A professora da Nova School of Science & Technology (FCT-UNL) menciona ainda que “os subsídios públicos para os combustíveis fósseis nos países do G20 atingiram um recorde de 1,4 biliões de dólares em 2022, muito devido aos receios de escassez de gás, devido à invasão da Ucrânia pela Rússia”.

No último relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), há quatro meses, faz-se uma análise do potencial de vários indicadores para a mitigação de emissões de GEE. As energias solar e eólica aparecem na liderança das opções mais bem-sucedidas – seguidas pelo aumento da eficiência energética e a redução da desflorestação. Este ano, a Agência Internacional de Energia (IEA) prevê que o investimento global em energia solar ultrapasse, pela primeira vez, o investimento na produção de petróleo – 382 face a 371 mil milhões de dólares, respectivamente.

“Por outro lado, o custo das emissões de CO₂, traduzido em taxas de carbono ou em licenças de emissão nos mercados de licenças, como o europeu, cobre apenas 23% das emissões globais e apenas 5% têm um preço alinhado com a gama recomendada para a promoção da neutralidade carbónica”, acrescenta a professora da FCT-UNL.

É natural ficar-se desnorteado com notícias deste tipo. Se, por um lado, ignorar os apelos científicos demonstra alguma desfaçatez social, por outro, deixar a acção apenas para as grandes indústrias e governos significa desresponsabilizar a sociedade do seu papel fundamental. Afinal, é a rotina genérica do ser humano actual que exige tanta extracção de petróleo.

Para Júlia Seixas, a prioridade nacional é atingir a neutralidade carbónica na mobilidade, pois, lembra, “os transportes rodoviários de passageiros e mercadorias são responsáveis por 30% do balanço nacional de GEE”. Quanto mais cedo se agir, menor será a factura – ambiental e económica –, pois, “à medida que o tempo se escoa, as medidas necessárias serão cada vez são mais radicais”, lembra Pedro Matos Soares. Correr pela estabilização das condições de vida no planeta é o desafio das nossas vidas.

As alterações climáticas e o futuro do ambiente são o tema do oitavo e último episódio do videocast Perguntar Futuro, disponível​. À conversa com Diana Duarte estão Pedro Miranda, professor de Meteorologia na Universidade de Lisboa, e Leonor Canadas, activista por justiça climática através do colectivo Climáximo.

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