JMJ: estaremos todos, todos, todos preparados para o que se passou?

Os retratos usuais são de uma juventude presa ao sofá, abstencionista, desiludida e em estado de pré-emigração. Mas o que vimos foram milhares a rejubilar com energia reformista que falta mobilizar.

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Pós-pandemia, num mundo cada vez mais virtualizado e num país com uma situação generalizadamente débil e ansiosa: assistimos a um evento com presencialidade, fraternidade e alegria. Muitos não estavam preparados – foi um choque. Afinal, é a juventude que não adere ou é esta classe política que não convoca e inspira?

Vamos por temas, e comecemos pelos ajustes diretos. É que arrumamos este tema rápido, no que devia ser uma evidência. Obviamente que tem de haver um absoluto escrutínio, como noutros casos, sobretudo num país com más práticas e justiça lenta: não se pode vacilar. É por isso que o Tribunal de Contas deve fazer a validação e, se houver algo a fazer, que haja responsabilização. A memória pública de vontade de escrutínio e melhoria tende a ser efémera. Se não fosse assim, haveria interesse em aumentar a celeridade e a responsabilização das auditorias, bem como rever a complicação e burocracia da contratação pública, que faz com que haja uma maior necessidade de recorrer a ajustes diretos. A superficialidade de muitos poderá empurrar a dizer que isto é branquear, quando na verdade é analisar com profundidade, ter o foco na resolução e no futuro.

A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) também relembrou temas como a (não) reforma do SEF, onde ainda existem serviços sem tutela. Todo este sector está numa reformulação que foi apressada, atabalhoada e não está terminada.

Seria muito bom que as críticas à JMJ fossem uma viragem na cultura de gestão da coisa pública, a favor das análises custo-benefício e sobre retorno de investimento: quais as estimativas de procura e receita, quais os custos de oportunidade, qual o efeito de marca, que impacto noutras regiões, etc. Neste evento, como em todos os outros tipos de investimento, será preciso ver os dados e modelos usados, equacionar os pressupostos e objetivos, ter em conta efeitos radiais e de médio prazo, sem uma busca apriorística de conclusões que forcem os dados. Enfim, são mais motivos para que não se abandone a luta da literacia economia e financeira, a par do escrutínio.

Não me alongarei sobre as relações com a Igreja. Surpreendeu-me a confusão de tantos sobre o que é um Estado laico, as atitudes jacobinas ou, curiosamente, intolerâncias dos proclamadores de tolerância. Será também agora especialmente interessante ver o impacto, ou não, do apoio ao sector social, que tem sido abandonado pelo Governo.

Mas não é nisto que me quero centrar, mas sim sobre o que creio que falta analisar, e sobretudo aprender, em temos políticos, para o futuro.

Em que mundo viverão os políticos e comentadores que, após a falência da profecia da desgraça, ainda esbracejam em temas como a discussão dos números, mas não se debruçam sobre a motivação e energia do que se viveu? Hoje, os retratos usuais da juventude são de uma juventude presa ao sofá, abstencionista, desiludida e em estado de pré-emigração. Porém, o que vimos foram milhares a rejubilar com energia reformista e disponíveis para acreditar e construírem sonhos. Isto não que nos deveria inspirar e instigar à ação? E não nos deveria fazer pensar sobre por que razão não somos capazes de o fazer? Por que não tem havido uma projeção de visão de país, um desígnio, uma ambição?

Vezes sem conta refiro, e sinto, o cansaço de estar rodeada de política de ressentimento. Partidos que vivem de lutas de classe, que atiçam preconceitos ou empolam questões para polarizar debates, partidos e pessoas em luta por si próprios, discussões em plenário sobre quem é o verdadeiro culpado da austeridade ou do impacto de uma frase dita há 10 ou 15 anos. A quem é que esta postura atrai? A quem emociona, inspira confiança e faz aspirar a um futuro melhor? A quem convoca uma energia criativa? Simultaneamente, com a falta de futuro e falha de presente, seja de serviços públicos, seja de oportunidades, uma visão política de futuro acaba por ser substituída por desencanto ou populismo.

Sobre os jovens, não me canso de repetir que a chamada “geração mais preparada de sempre” encontra um país impreparado para a receber. Vive-se um país avesso ao risco e avesso ao sucesso. Estamos a falhar, na política e na sociedade, para nos podermos deslumbrar, acreditar, sonhar, e ir sem medo numa visão de crescimento, ambição e realização. E infelizmente, e ao contrário do hipocritamente apregoado, nem sempre se é tolerante e humanista.

Entre muita arte performativa e música na JMJ, ouviu-se de fado a tecno. Houve juventude, independentemente da idade. A alegria, dos crentes ou não crentes, mostrou que o destino do país não tem ele próprio de ser um fado. Estarão os políticos preparados para ouvir e interpretar o que se passou? Estarão a política e os políticos preparados para inspirar e convocar? Estará a sociedade preparada para mais assunção de risco e menos medo, mais tolerância e inclusão, menos ressentimento? No final, o que fica também depende da humildade, da escuta ativa, da liderança, da geração de confiança e de inspiração. Estaremos todos, todos, todos preparados?

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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