Quando os municípios pagam para aparecer na TV

Se o objectivo é partilhar e transformar parte da cultura popular em entretenimento, então estamos a aproveitar recursos já existentes. No entanto, há aqui algo de estranho.

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Os canais televisivos estão repletos de programas sobre localidades durante as tardes de fim-de-semana. Os canais generalistas aderiram a este modelo, deslocando equipas para fazer cobertura de festividades, feiras, ajuntamentos e eventos que vão acontecendo por todo o país. A ideia parece boa. Se estas festividades acontecem, podemos assistir à cultura material e imaterial de cada local transformada em espectáculo. Se o objectivo é partilhar e transformar parte da cultura popular em entretenimento, então estamos a aproveitar recursos já existentes. No entanto, há aqui algo de estranho.

A ideia original terá sido destacar os principais eventos, mas entrou-se numa espécie de competição e negócio generalista. Hoje, os municípios podem adquirir este dito serviço de marketing territorial, pagando alguns milhares de euros para ter um programa no seu concelho. Ganham tempo de antena para as principais personalidades locais, para mostrar alguns produtos, falar da história local e passar imagens do património local. Quando não existe nada de significativo para mostrar, inventa-se. Criar é bom, a inovação associa-se ao desenvolvimento. Mas, quando a novidade é mera cópia indiferenciada ou de baixa qualidade, podemos questionar a relevância do investimento.

Por falar em investimento, as métricas de sucesso passam pelos minutos de exposição. No entanto, de que serve esse tempo se ninguém assistir? Ou se não assistir quem os municípios querem atrair? Cada vez menos jovens vêem televisão, e menos ainda os canais generalistas, seguindo os directos. Estes programas tendem a ser vistos por idosos que, infelizmente, poucas alternativas têm de lhes escapar, especialmente porque muitos não têm mobilidade nem poder de compra para outras alternativas. Então, que sentido fará estar a investir neste tipo de programas como estratégias de marketing territorial, de promoção dos produtos locais e até do turismo?

Estou obviamente a generalizar, ainda que a maioria dos telespectadores encaixem neste perfil. Se, por outro lado, estes programas forem assumidos como promoção da cultura popular e uma forma de a fazer chegar a quem não pode experimentar, então o caso muda de figura. Se for assumido como uma missão cultural e social penso que podemos defender este tipo de programas. Mas assumir isto como acessível apenas ao município com mais recursos ou que procuram destaque a qualquer custo gera contradições. Segundo esta lógica de serviço público seria mais coerente que os programas seguissem uma estratégica por temática e de cobertura do território. Uma lógica meramente mercantilista gera distorções e percepções de importância fictícias.

Estes, como muitos outros programas de TV, tendem a ser úteis para gerar publicações nas redes sociais. Mostrar uma fotografia na televisão ou partilhar um vídeo curto como protagonista tem impacto se disseminado online. A TV ainda tem uma certa aura de importância, mesmo em programas de reduzidas audiências. É o valor do parecer a suplantar o do ser. Algo que encaixa perfeitamente na lógica de importância artificial promovida pelas redes sociais.

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