Idosos vêem cinco horas e meia de televisão por dia, mas isso não tem de ser preocupante

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O televisor na sala de convívio do lar/centro de dia da Associação de São Nicolau está todo o dia ligado Paulo Pimenta

Há quem ache um “escândalo”. E quem não encontre, à partida, qualquer inconveniente. Os idosos portugueses vêem, em média, cinco horas, 30 minutos e 51 segundos de televisão por dia. Ainda há três anos, viam em média quatro horas, 48 minutos e 55 segundos.

Manuel Pinto, da Universidade do Minho, imagina abundantes quantidades de velhinhos a “vegetar” de olhos postos no ecrã e fica indignado. Quando fez tese sobre a televisão e o quotidiano das crianças, encontrou uma média de três horas por dia e já lhe pareceu muito. “Para haver uma média de cinco horas e meia, há gente que passa o dia todo em frente à televisão.”

Na sua opinião, os dados apurados pela Marktest Audimetria/Media Monitor, relativos ao primeiro semestre de 2008, remetem “para uma questão escandalosa”, são “o sintoma de uma realidade gritante” – o abandono a que estão votados os mais velhos, o vazio de que se faz os seus dias.

Há muitas questões a que aquele padrão de audiências não responde. “Há várias gerações de idosos, há uma diferença muito grande entre idosos mais velhos e idosos mais jovens, os idosos mais velhos têm um nível de escolaridade muito baixo”, sublinha a socióloga Maria João Valente Rosa.

No final dos anos 90, Valente Rosa comparou os tempos livres dos reformados com os dos trabalhadores com idades compreendidas entre os 55 e os 65. Apercebeu-se de diferenças assinaláveis a partir de indicadores como as habilitações, a classe social, o género. “Estamos a envelhecer cada vez mais, é preciso não falar de maiores de 65 anos como um grupo homogéneo”, avisa.

Até pode ser aprendizagem

Muitos dos maiores de 65 anos não têm segundas carreiras. De um momento para outro, duplicam o número de horas livres. “Cinco horas e meia não me parece preocupante, desde que essas cinco horas e meia não estejam só a preencher um espaço vazio”, diz. Até podem “corresponder a um comportamento de aprendizagem”.

Mas se for apenas para preencher tempo ou um vazio “é preocupante”, é um sinal de uma enorme solidão.

Nos últimos anos, com o advento da televisão por cabo, multiplicou-se o número de canais disponíveis. Ver televisão “não é necessariamente uma actividade desinteressante”, tal como “ler não é necessariamente uma actividade interessante”, enfatiza. Ver televisão até pode ser um sinónimo de aprendizagem, se a pessoa aprecia documentário, noticiário.

“E a TV liga aos idosos?”, questionava há dias Manuel Pinto, no blogue Mediascópio. Apesar de liderarem o consumo, os maiores de 65 “têm pouca visibilidade” no espaço televisivo, nota agora. Estão “pouco representados, pelo menos de forma pensada”. “É um terreno por explorar, onde o serviço público de televisão pode marcar a diferença”, considera.

Profissionais como Nuno Santos, director de programas da SIC, ex-director de programas da RTP, não esquecem que “os públicos maiores de 55 anos têm um peso significativo no chamado horário de day time”. E “é evidente” que têm este factor em conta. Procuram responder a um público alargado.

Falta alterar mentalidades

Ter 65 anos é hoje bem diferente do que era há 20 anos. “Há muitas pessoas que estão em casa nessas idades e que são activas”, explica Nuno Santos. “Há muita coisa que interessa a outros públicos e que interessa a estes também”, como “as questões de sociedade, os temas do quotidiano, a informação, o apelo à memória”. E há um interesse “pela ficção em geral, pelas novelas em particular”. Mas nada disto “é exclusivo para pessoas mais velhas”.

O Jornal de Notícias já teve um suplemento “sénior” e acabou com ele por falta de publicidade. “Estas pessoas compram pouco”, aponta Manuel Pinto. Não será só isso, torna Valente Rosa. “As pessoas não se assumem como idosas, não se sentem confortáveis nessa posição, por isso qualquer tipo de produto dirigido especificamente para idosos não funciona.”

Há em Portugal “uma imagem negativa”, sobretudo “por os idosos serem tratados como um grupo homogéneo”, refere. Como se a idade fosse um atributo que ultrapassasse todos os outros. Talvez porque só começámos a envelhecer há pouco, talvez porque ainda estamos a aprender a lidar com o nosso envelhecimento.

Teresa Almeida Pinto, do Projecto TIO, observa “uma evolução do Estado providência, que foi acompanhada pelo Estado de bem-estar”. Não é só a reforma, é também o uso gratuito ou com desconto de museus, piscinas, transportes públicos. E é a profusão de turismo para a terceira idade, o fenómeno das universidades seniores. “Houve uma mudança muito grande, falta alterar mentalidades”, remata.

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