Seita de Oliveira do Hospital: duas crianças levadas para avaliar condições de saúde

Autoridades investigam “Reino do Pineal” por causa de morte de bebé no ano passado. Diligências vão continuar.

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Seita é liderada por Martim Junior Kenny, um ex-chefe de cozinha britânico DR
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Duas crianças, uma delas recém-nascida, e as respectivas mães foram esta terça-feira levadas da comunidade autodesignada Reino do Pineal, em Oliveira do Hospital, para que fosse avaliada a sua condição de saúde, soube o PÚBLICO de fonte ligada à investigação.

Na manhã de hoje a Polícia Judiciária entrou nos terrenos ocupados por esta seita, numa operação relacionada com a morte de um bebé naquele local no ano passado, informou em comunicado. As diligências desta terça-feira "visam o esclarecimento do circunstancialismo que determinou a morte de uma criança com cerca de um ano de idade, ocorrida em 2022, bem como factualidade associada", avança a PJ.

Com a Judiciária, que se focou mais na morte da criança, foram ainda técnicos da Segurança Social e das autoridades de saúde, precisamente para tentar perceber em que situação se encontravam as pessoas da comunidade onde existem outras crianças.

Foram estes técnicos que detectaram a situação de duas crianças que tiveram de ser levadas, juntamente com as mães, para que lhes fosse feita uma avaliação de saúde mais rigorosa, apurou o PÚBLICO. Uma delas, um bebé com dias de vida, ainda não tinha sido visto por qualquer médico após o nascimento, tal como a mãe. Não se sabe ainda em que resultaram estas avaliações, nem se as crianças e as mães já regressaram à comunidade.

Como o PÚBLICO noticiou há duas semanas, a PJ tinha decidido investigar a morte de um bebé numa herdade de Oliveira do Hospital. A seita que ali se instalou é liderada por Martim Junior Kenny, um ex-chefe de cozinha britânico que adoptou o nome de Água Akbal Pinheiro. O líder da seita não acredita que a terra seja redonda ou que o homem tenha ido à Lua.

A morte do bebé poderá configurar um de vários crimes — homicídio por negligência ou então exposição a perigo ou abandono. Porém, a investigação dirigida pelo Ministério Público de Coimbra e delegada na Judiciária poderá não se afigurar fácil, se se confirmar que o corpo foi cremado e as cinzas lançadas ao Mondego em cerimonial.

Diz o Código Penal que quem puser em risco a vida de um ascendente ou descendente seu, expondo-o a uma situação de que não se possa defender ou abandonando-o à sua sorte, sem defesa, é punido com dois a cinco anos de prisão. Quando deste crime resultar a morte da vítima, a moldura penal sobe até dez anos. Já o homicídio por negligência tem uma pena máxima de cinco anos, aplicável aos casos mais graves.

Em causa estão suspeitas de que as crianças que moram com os pais na propriedade, localizada no Seixo da Beira, algumas das quais já ali nasceram, não estejam a receber educação nem cuidados de saúde e que existam imigrantes ilegais entre as cerca de quatro dezenas de seguidores que ali habitarão.

No comunicado desta manhã, a PJ informa que, "através da Directoria do Centro, no desenvolvimento das investigações em inquérito do DIAP de Coimbra", está a "realizar buscas domiciliárias e não domiciliárias na área do concelho de Oliveira do Hospital, por referência à comunidade autodesignada por Reino do Pineal". A operação envolve investigadores, peritos da PJ e autoridades judiciárias e conta com "significativo" apoio da GNR e do SEF e com a participação de entidades da Segurança Social e da Saúde, avançam ainda as autoridades.

O caso foi revelado pela revista Visão, publicação à qual os líderes da comunidade admitiram a morte do bebé de 13 meses em Março passado, garantindo que a mãe permanece na herdade, cuidando dos seus outros dois filhos e negando quaisquer possíveis maus-tratos. Segundo estes responsáveis, já ali houve outros três partos e tanto as progenitoras como os bebés gozam de boa saúde.

“Esta aventura começou numa manhã de Julho de 2020, quando 44 pessoas, a maioria desconhecida entre si, chegaram a Portugal, vindas de oito países diferentes, para se conhecerem pessoalmente, depois de meses de contactos e partilhas na internet, num período em que o mundo lidava com os efeitos da pandemia. Mulheres e homens, muitos acompanhados por crianças, responderam ao ‘apelo’ de ‘viverem juntos’ e ‘fazerem acontecer’”, descreve a publicação.

Fundar um "reino"

Num vídeo disponível no Youtube, Akbal Pinheiro explica que o abandono e o envelhecimento do interior de Portugal fazem deste sítio a escolha ideal “para fundar o Reino do Pineal”, designação que remete para uma pequena glândula em forma de pinha, localizada no cérebro, ligada à produção de melatonina.

“Ao longo destes 36 meses, foram surgindo naquele terreno tendas e outras estruturas, como uma estufa para cultivar legumes, frutas ou outro tipo de plantas. A dieta vegana privilegia cozinhados com produtos provenientes do solo. O convívio entre os residentes é aparentemente pacífico. As actividades, simples: cozinha-se, medita-se, dança-se, cultiva-se, canta-se, convive-se com a natureza ou escuta-se o líder, que, frequentemente, insiste na ideia de que é preciso continuar a construir ‘um mundo harmonioso e equilibrado’, que promova ‘a saúde e o bem-estar físico, mental e espiritual’ dos que escolheram ali viver”, refere também a Visão.

À Câmara de Oliveira do Hospital, esta comunidade exigiu que Portugal reconheça a autonomia do autoproclamado Reino do Pineal como estado soberano. A herdade foi comprada pelo futebolista internacional dinamarquês Pione Sisto, nascido num campo de refugiados do Uganda e criado na Dinamarca, que teve uma passagem de cinco anos pelo Celta de Vigo, da Liga Espanhola, antes de voltar ao Midtjylland, clube dinamarquês onde se formou.

Depois de concluir que existiam irregularidades urbanísticas na propriedade, a autarquia encaminhou outros dados também recolhidos no local para o Ministério Público, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, bem como para a GNR — o que deu origem à abertura de um primeiro inquérito por parte do Ministério Público há já algum tempo. Embora a morte do bebé tenha dado origem a um segundo inquérito mais recentemente, ambas as investigações foram entretanto apensas numa só.

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