Liège, a cidade belga onde a Transição plantou uma revolução alimentar

A visão é o motor da mudança e da discussão de um grupo de pessoas surgiu o projecto de numa geração ter uma grande percentagem da comida consumida em Liège produzida localmente, à volta da cidade.

Foto
O município ofereceu terras numa quinta, para pequenos produtores GettyImages
Ouça este artigo
00:00
03:33

Quando se pede a Filipa Pimentel um exemplo de uma iniciativa do Movimento da Transição com impacto, é de Liège, cidade belga, a primeira que lhe vem à boca. Num duplo sentido, porque foi literalmente a partir da comida, e da necessidade de quebrar a dependência de longas e insustentáveis cadeias de distribuição, em favor de uma produção de proximidade, que muitas pessoas da comunidade, activadas pelo grupo local da Transição, encetaram um processo de mudança.

Prestes a completar dez anos, em Dezembro, a Ceinture Aliment-Terre Liégeoise usa um jogo fonético para acrescentar significados a um projecto que é sobre agricultura, claro, mas não esconde os seus propósitos de regeneração do território, da sociedade e da economia local. O papel dos princípios da Transition Network no que ali aconteceu é reconhecido. Rob Hopkins, co-fundador do movimento, “já lá foi muitas vezes, é para eles uma figura inspiradora e já é cidadão honorário de Liège”, refere a activista portuguesa.

“A iniciativa Liège en Transition é pequenina e havia esta ideia de que seria importante ligar os vários sectores da comunidade, e o município, activando e envolvendo as pessoas. A visão é o motor da mudança e, no caso, da discussão de um grupo alargado de pessoas surgiu o projecto de, numa geração, ter uma grande percentagem da comida consumida em Liège produzida localmente, à volta da cidade. Esta visão da Ceinture Aliment-Terre mostrou ser muito poderosa”, nota a co-líder da Transition Network, explicando que o Movimento da Transição esteve lá inicialmente, e saiu de cena para dar lugar a outros protagonistas, como a associação entretanto criada para dar apoio a tudo o que vem emergindo ali.

“Esse processo de sonho, com uma visão a 35 anos, envolveu 600 pessoas e numa década já nasceram 28 cooperativas, 300 produtores individuais, quatro lojas de produtos hiperlocais, um mercado local semanal da própria rede, um festival anual de comida e produtos locais, durante dez dias. Até há uma televisão e uma rádio que cobre isto tudo”, contabiliza Filipa Pimentel. Nota ainda que o festival já foi replicado em Bruxelas e Estrasburgo e agora vai acontecer no Quebeque e regozija-se com o facto de haver “várias cidades que planeiam criar as suas cinturas alimentares e que foram formadas pela mesma equipa”.

Foto
Rob Hopkins DR

Em Liège esta criou, entretanto, a Casa da Alimentação Sustentável, que, continua, “tenta responder e dar apoio às classes que, normalmente, não têm acesso a este tipo de produtos, reflectindo sobre participação e justiça social”. Este mês, o sucesso da iniciativa foi notícia no jornal inglês The Guardian, que a viu também como uma revolução, dado o impacto da mudança.

Filipa Pimentel acrescenta argumentos. “Em 2021, cem escolas participavam já na iniciativa, consumindo produtos da rede, e o objectivo deles era já em 2025 ter todas as refeições escolares com produtos orgânicos cultivados localmente. No intervalo das aulas, a meio da manhã, já fornecem uma sopa de legumes às crianças carenciadas”.

Em menos de um terço do tempo previsto no plano, “há imensas coisas a acontecer”. O município ofereceu terras numa quinta, para pequenos produtores, e, do ponto de vista comercial, 70% do rendimento com as vendas vai para quem produz. Cada bem, alimentar ou de outro tipo, é associado à pessoa que o produz, com fotografia e uma pequena biografia, refere.

“O envolvimento é imenso, atraindo muitos jovens e a própria academia, que criou a Universidade em Transição, e acompanha a iniciativa”. Filipa Pimentel não tem dúvidas sobre o efeito sistémico da Ceinture Aliment-Terre. “Quando temos algo pensado em rede, conseguimos mudar a cultura interna” de uma comunidade.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários