Telma Encarnação é uma bad girl demasiado grande para a Madeira

A primeira portuguesa a marcar um golo num Mundial tem muito de Luis Suárez – no feitio temperamental, mas também nos predicados futebolísticos. E será difícil à Madeira segurar a sua “filha”.

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Telma Encarnação, jogadora da selecção nacional Reuters/DAVID ROWLAND
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Os epítetos de bad boy e bad girl foram atribuídos, no futebol mundial, a atletas cuja personalidade irascível, de emoções ferventes, lhes tolda o bom comportamento. Uns ficam-se por esse estatuto, outros conjugam esse perfil com talento – e a estes últimos perdoa-se o mau feitio.

Aos 21 anos, Telma Encarnação, a primeira mulher a marcar um golo por Portugal num Mundial, tem tentado fazer parte deste grupo. Uma árbitra que se cruzou com a madeirense em relvados nacionais traça-lhe a personalidade acesa. “A Telma tem um feitio complicado, não aceita nada. É muito temperamental, emocional e, por vezes, perde um pouco a cabeça. Mas é justo dizer que tem imensa garra e defende sempre as dela", aponta ao PÚBLICO.

A jogadora do Marítimo não tem problemas em protestar qualquer decisão dos árbitros, da mais inócua à mais penalizadora, nem tão pouco em “virar-se” às adversárias que lhe façam frente – a si ou a uma colega.

Questionado pelo PÚBLICO sobre a personalidade de Telma, Albano Oliveira, treinador da jogadora no Marítimo, preferiu apontar, com delicadeza, que a madeirense “é um espírito livre”. “Muito bem-disposta e pronta para a brincadeira e a alegria”.

Numa comparação com o futebol masculino, parece ter qualquer coisa de Luis Suárez – quer no perfil futebolístico, quer na postura. Emocional e protectora, como Suárez, a portuguesa também oferece ao jogo predicados semelhantes ao uruguaio: capacidade física, força nos duelos, qualidade técnica em apoios frontais e explosão em profundidade e largura – pelo menos se nos cingirmos aos melhores tempos do avançado sul-americano.

Albano Oliveira explica o que está em causa quando se fala de Telma Encarnação. “A Telma é o instinto do golo. Ponta-de-lança com capacidade de finalização acima do normal. Em termos físicos, tem aceleração, potência e explosão que fazem a diferença. Tem uma capacidade física e de remate que se vê pouquíssimo no futebol feminino”, aponta. Nem a mãe de Luis Suárez definiria Telma tão bem.

“Preparada para grandes Ligas europeias”

Nascida num bairro problemático em Câmara de Lobos, na Madeira, Telma é muito chegada aos seus. Talvez por isso tenha escolhido que o Marítimo lhe pagasse o primeiro salário em compras de comida para a casa dos pais e talvez também por esse motivo já tenha feito quatro temporadas no Marítimo, na Liga BPI, sem que clubes de maior tarimba tenham conseguido convencê-la a sair do seu cantinho no Atlântico – e temporadas com seis, 18, 23 e 15 golos seduzem qualquer treinador.

Mas o que se vê de Telma, sobretudo na conjugação de valências técnicas e físicas tão incomuns, faz-nos pensar quanto tempo mais resistirá aos maiores clubes do continente ou mesmo a emblemas europeus – e estarão certamente atentos ao Mundial que a jogadora está a fazer, com uma boa entrada em jogo frente aos Países Baixos e prémio de mulher do jogo frente ao Vietname.

Sobre este tema, Albano Oliveira crê que a jogadora de 21 anos ainda ficará pela Madeira – por enquanto. “Ela tem um defeito, que é deixar-se ficar no razoável e suficiente quando está demasiado confortável no seu ambiente, até porque sabe que depois consegue responder com o talento”, começa por dizer, apesar de recusar que seja por esse conforto que se deixa ficar na Madeira. “Isso creio que não. Não é por necessidade de conforto. É mais por sentir que na Madeira ainda consegue evoluir. Acho que vai continuar por aqui nos próximos tempos, talvez um ou dois anos, mas está preparada para grandes Ligas europeias”.

A própria Telma chegou a explicar ao Canal 11, em 2021, que não tem medo do desafio, mas não quer deixar a família: “Não é medo, é o deixar a família. Tenho de ir devagarinho e esperar por um momento mais certo, agarrar a oportunidade mais a sério. É disso que estou à espera. Do momento certo, do dia certo, da hora certa. Ver que aquele é o momento certo para ir embora”.

Em cerca de dois anos muito pode ter mudado e talvez o momento certo esteja a chegar, sobretudo se continuar a cumprir as apostas que faz. “Há uma brincadeira que ela faz que é de dizer que vai marcar um ou dois golos e, quando entra nisso, sai sempre a ganhar. Fez-me uma promessa de que se marcasse x golos teria x dias de férias. Espero que as férias durem até Setembro”, conta o treinador.

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