Pagamento de múltiplos seguros de saúde em Portugal, um sintoma do sistema em declínio

Ter múltiplos seguros de saúde revela uma falha estrutural que precisa ser enfrentada de forma urgente.

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Segundo os dados da OCDE de 2022, as despesas com saúde na Alemanha e na França são equivalentes a 12,7% e 11,9% do produto interno bruto (PIB), respetivamente, representando uma proporção maior do que em qualquer outro Estado-membro da União Europeia (UE). Portugal ocupa a 8.ª posição, destinando 10,6% do PIB a esse setor. O financiamento da saúde é realizado por meio de uma combinação de acordos, que abrangem tanto os obrigatórios quanto os voluntários. Os acordos obrigatórios fornecem uma base financeira sólida, com recursos provenientes de gastos governamentais e contribuições obrigatórias dos cidadãos. Já os acordos voluntários permitem uma maior flexibilidade e escolha, permitindo que as pessoas personalizem a sua cobertura de saúde de acordo com as suas necessidades individuais.

A dependência excessiva do financiamento voluntário pode levar a desigualdades no acesso aos serviços de saúde, uma vez que nem todos têm condições financeiras para adquirir seguros privados ou realizar pagamentos diretos. É fundamental que os governos atuem para garantir que o financiamento seja equitativo e que todos os cidadãos tenham acesso aos cuidados médicos necessários.

A Alemanha apenas financia voluntariamente a saúde em 1,7% do PIB, ficando em 16.º lugar, e a França, com 1,8% do PIB, fica em 14.º lugar. Portugal ocupa o 1.º lugar na UE em termos de financiamento voluntário da saúde, que representa 3,9% do PIB, sendo que 3,04% do PIB correspondem aos pagamentos diretos das famílias. Este cenário é o resultado de anos de desorçamentação e falta de recursos adequados para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) português.

A escassez de médicos de família e o pavor de não ter consultas e cirurgias dentro do tempo esperado, quando não se possui seguro de saúde voluntário, têm levado cada vez mais portugueses a adquirir seguros de saúde privados. No meu caso, por exemplo, além de contribuir para o SNS e a ADSE, desde setembro de 2021, com a entrada em vigor da nova tabela do regime convencionado da ADSE, que resultou na saída de muitos prestadores de cuidados de saúde da ADSE, optei por adquirir um seguro de saúde privado. Mesmo com a significativa perda de poder de compra que tenho enfrentado, decidi investir em mais um serviço de saúde para me precaver contra a eventual necessidade de recorrer aos serviços privados.

Ter múltiplos seguros de saúde revela uma falha estrutural que precisa ser enfrentada de forma urgente. O mais preocupante é a situação das centenas de milhares de pessoas que não possuem médico de família, nem recursos para adquirir um seguro de saúde privado. Os mais pobres são os mais prejudicados, pois o SNS continua a deteriorar-se e não consegue atender aqueles que não possuem alternativas.

É evidente que pagar vários seguros de saúde é um sintoma do declínio do sistema de saúde em Portugal. O SNS, uma conquista social valiosa, enfrenta dificuldades crescentes devido à falta de recursos e à má gestão ao longo dos anos. Os portugueses são forçados a procurar soluções alternativas para garantir um atendimento adequado, resultando num sistema fragmentado e desigual.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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