Belugas voltaram a experimentar a vida na baía, mas tiveram de ser devolvidas ao aquário

As duas baleias foram transferidas para a baía de Klettsvik, na Islândia, em Abril, mas tiveram de voltar para o aquário no final de Maio, depois de uma delas ter ficado doente.

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As duas belugas, no aquário onde vivem desde que chegaram à Islândia, em 2019 Nuno Ferreira Santos
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As duas belugas que vivem, desde 2019, num aquário no centro de visitantes do Sea Life, em Heimaey, nas ilhas Vestmannaeyjar, na Islândia, à espera de serem devolvidas a um ambiente natural controlado, tiveram uma segunda oportunidade de experimentar a vida ao ar livre, mas acabaram por ser devolvidas ao tanque que tem sido a sua casa nos últimos anos, depois de uma delas ter ficado doente. Para já, não se sabe quando haverá nova tentativa.

O complicado processo de devolver Little White e Little Grey ao ambiente exterior acabou de sofrer um novo revés. Nascidas em 2007, no mar de Okhotsk, na Rússia, as duas belugas (Delphinapterus leucas) foram capturadas muito cedo e viveram desde 2011 num aquário interior no Changfeng Ocean World, em Xangai, na China, onde faziam espectáculos diários para os visitantes.

Quando o espaço foi vendido à Merlin Entertainments, a política da empresa de não ter este tipo de espectáculos com cetáceos em cativeiro levou-a a procurar uma solução alternativa para as duas baleias. A busca por um refúgio onde pudessem viver descansadas e, se possível, de volta à liberdade (ainda que relativa), acabou por as levar numa viagem de 9600 quilómetros, até ao pequeno arquipélago islandês, aonde chegaram há quatro anos.

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As belugas, na baía, com a equipa que as acompanha DR

Desde então, foi criado um refúgio na baía de Klettsvik, mesmo junto ao porto da ilha, vedado ao mar aberto, com o objectivo de, depois de um período de monitorização e adaptação, se tornar na nova casa das duas baleias. O trabalho desenvolvido pela equipa de cuidadores e uma primeira experiência de alguns meses na baía levou a equipa a construir uma segunda zona nesse espaço, mais pequena e protegida, onde o acesso dos veterinários e tratadores seria mais fácil.

Foi por aí que andaram, durante cerca de um mês, as duas belugas, já este ano. Mas o processo voltou a não correr bem.

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No aquário instalado no centro de visitantes do Sea Life, as belugas fazem as delícias de quem por lá passa Nuno Ferreira Santos

A primeira experiência tinha sido feita logo em 2020, quando as belugas passaram cerca de quatro meses na baía. Na altura, Little White, que é, geralmente, menos expansiva, revelou alguns sinais de não se estar a adaptar bem à mudança. Preocupados com o bem-estar dos animais e como a situação se poderia agravar quando o Inverno impiedoso islandês se instalasse, os tratadores decidiram devolvê-las ao aquário do Sea Life.

No ano passado deveria ter sido feita uma segunda tentativa para as devolver ao mar, mas um barco que trabalhava com o projecto afundou-se na baía, e a limpeza necessária, bem como a remoção dos destroços, inviabilizou a transferência. O desapontamento da equipa foi geral, mas não houve alternativa senão adiar tudo para a Primavera deste ano. E, em Abril, finalmente, as duas belugas regressaram à baía.

Úlceras no estômago

Desta vez, foi Little Grey que teve problemas. “A equipa que cuida das belugas verificou que o apetite de Little Grey estava a diminuir nos dias mais recentes”, explicou, numa publicação colocada na página do refúgio, a 3 de Junho, a actual curadora do projecto, Courtney Burdick.

Apesar de ter havido ligeiras melhorias durante cerca de 24 horas, o apetite da baleia voltou a diminuir, o que levou a equipa a decidir “de forma unânime” que o melhor era devolver as belugas ao aquário do Sea Life. “Uma decisão difícil, mas correcta”, defende-se na publicação.

Aí, os exames desenvolvidos permitiram perceber que Little Grey tinha desenvolvido úlceras no estômago, que os tratadores acreditam ser “a causa provável para a diminuição de apetite e mudanças de comportamento identificadas na baía”.

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Os animais têm tido dificuldade em adaptar-se à vida no exterior e a segunda tentativa voltou a falhar Nuno Ferreira Santos

Fonte da Sea Life Trust, responsável pelo projecto, confirma que esta situação ocorreu “no final de Maio”, o que fez com que as baleias não tenham estado no exterior mais do que “cerca de um mês”. “Ela está a responder bem ao tratamento e a equipa está a garantir que o bem-estar das belugas continua a ser prioridade. Com isto em mente, está a rever os planos para este ano, para se decidir qual é o melhor passo seguinte”, esclareceu, por escrito a mesma fonte. Por enquanto, garante, não há qualquer decisão para que seja feita uma nova tentativa de devolver as belugas ao mar ainda este ano.

Por isso, é quase certo que Little White e Little Grey vão passar quase mais um ano no aquário, já que o clima islandês, devastador, não é aconselhável a tentativas de adaptação no Outono ou no Inverno. Sobretudo com animais que, por sempre terem vivido em cativeiro e em espaços interiores, não reconhecem coisas tão básicas como correntes marítimas, ondas, chuva ou até comida. Na tentativa de 2020, as baleias chegaram a entregar aos tratadores peixes que apanhavam na baía, como troca para receberem a alimentação habitual, incapazes de reconhecer que o que tinham consigo já era alimento.

Courtney Burdick refere, na publicação online, que espera que este “enorme e inesperado desapontamento” tenha sido apenas “um revés temporário”. Contudo, ainda subsistem muitas dúvidas sobre a viabilidade de devolver à liberdade animais como as duas belugas, que apenas conhecem o cativeiro.

Aliás, a baía de Klettsvik, escolhida para ser o primeiro refúgio marítimo de baleias, foi seleccionada precisamente porque foi aí que se tentou readaptar à liberdade a orca Keiko, estrela do filme Libertem Willy, de 1993. O desfecho não foi o melhor.

Apesar de anos de cuidados para tentar que a orca se readaptasse a viver no estado selvagem, o animal nunca conseguiu alimentar-se sozinho e sempre preferiu a companhia de humanos à das outras orcas que visitavam a região. Keiko acabou por morrer de pneumonia, na Noruega, para onde teria seguido um barco de pesca.

No caso das duas belugas, o facto de a baía ter sido vedada torna o processo diferente. O objectivo, aqui, nunca foi o de as devolver ao estado selvagem puro, mas o de lhes oferecer uma casa ao ar livre, no seu ambiente natural, mas de acesso controlado. Por enquanto, ainda não foi possível. E, enquanto isso não acontecer, não há a intenção de levar para o refúgio outras baleias, apesar dos pedidos que já têm acontecido nesse sentido.

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