Estará em curso a terceira intifada?

Israel vai asfixiando os territórios da Cisjordânia. Nas ruas de Jenin, Nablus ou Ramallah já não há qualquer ilusão, tendo-se instalado a total descrença numa solução negociada.

Foto
Funeral de palestinianos mortos durante a operação israelita em Jenin, na Cisjordânia Reuters/RANEEN SAWAFTA
Ouça este artigo
00:00
06:08

Nos últimos meses, os confrontos entre as Forças de Segurança Israelitas (IDF) e palestinianos na Cisjordânia e Faixa de Gaza atingiram níveis de violência continuada como já não se viam desde a Intifada de Al-Aqsa (2000-2005), que na altura provocou, de acordo com a organização B’Tselem, cerca de 4800 mortos palestinianos e 1100 israelitas. A esmagadora maioria destes números reporta-se a civis. No primeiro semestre de 2023 morreram mais de 150 pessoas na Cisjordânia, um número que igualou a totalidade de mortes registadas em 2022, ano que a ONU tinha considerado o mais violento nos territórios ocupados palestinianos desde 2005.

As IDF têm aumentado as incursões nos territórios palestinianos, como aquela que ocorreu há dias em Jenin, uma das operações mais massivas que Israel desencadeou nos últimos vinte anos na Cisjordânia. Também os militantes palestinianos intensificaram a sua actividade terrorista contra Israel. É um círculo vicioso de violência. Por um lado, as incursões terroristas palestinianas em Israel são condenáveis e em nada contribuem para a causa de um Estado independente, por outro, as operações desencadeadas pela nação judaica têm um impacto limitado a médio e a longo prazo em termos de segurança. Não obstante alguns ganhos imediatos reclamados pelas IDF, como a eliminação ou detenção de militantes, a destruição de bases e a apreensão de armas, o efeito retardador é contraproducente.

A violência das IDF, muitas vezes arbitrária e quase sempre desproporcional, e o radicalismo de muitos colonos, tem servido de combustível às franjas radicais e, sobretudo, aos novos militantes que se vão juntado às fileiras dos braços-armados de partidos históricos como o Hamas, a Fatah e a Jihad. As Brigadas al-Qassam (Hamas), as Brigadas al-Aqsa (Fatah), as milícias Tanzim (Fatah) ou as Brigadas al-Quds (Jihad) têm acolhido o descontentamento de uma juventude desesperada que, ao longo dos anos, foi encontrando nestas estruturas o meio para canalizar violentamente o seu ódio e a raiva contra o ocupante.

As estruturas políticas em que se inserem estes braços-armados vão prestando apoios e serviços à população, muito além de uma mera gestão política. Até à morte de Yasser Arafat, em 2004, esse trabalho era praticamente assegurado pela Fatah, quer na Cisjordânia, quer na Faixa de Gaza. Posteriormente, o Hamas ocupou esse espaço naquele enclave. A Jihad tem tido um papel importante, mas mais circunscrito em termos geográficos.

No entanto, para se perceber este novo ciclo de violência mais recente nos territórios ocupados, é preciso compreender as dinâmicas emergentes que se estão a verificar na sociedade palestiniana. A debilidade e deterioração da Autoridade Palestiniana (AP) liderada por Mahmoud Abbas, incapaz de se renovar democraticamente e de assegurar uma resposta básica ao nível de serviços elementares para a sociedade, tem provocado uma descrença profunda por parte dos palestinianos nas suas próprias elites políticas. Além disso, poucos palestinianos (para não dizer nenhum) acreditam na capacidade político-diplomática da AP e em qualquer processo negocial com Israel. Há também uma nova geração de jovens que hoje assume a dianteira da revolta contra os israelitas em cidades como Jenin ou Nablus.

A resistência que se reacendeu na Cisjordânia assume novas formas, materializando-se em pequenos movimentos, mais dinâmicos e actualizados, que estão a escapar à influência e comando directo dos partidos tradicionais. Por exemplo, embora as Brigadas de Jenin, criadas em 2021 no campo de refugiados, assumam uma ligação à Jihad Islâmica, a sua operacionalização é bastante autónoma e eclética, abarcando elementos da Fatah e do Hamas. Evitam partidarizar a sua acção violenta, assumem o seu perfil apartidário nos comunicados e não cobrem os corpos dos seus mártires com bandeiras dos partidos, como habitualmente fazem as alas militantes pertencentes ao Hamas, Fatah ou Jihad.

As Brigadas de Jenin são compostas por jovens com uma linguagem mais adaptada às novas realidades comunicacionais e que, de certa maneira, tentam fazer o seu combate numa lógica viral aos vários territórios da Cisjordânia. O modus operandi é de confrontação directa e violenta com os soldados hebraicos e colonos. Jenin, a par de Nablus, é actualmente o epicentro da resistência palestiniana na Cisjordânia contra Israel. O Lion’s Den nasceu em Agosto do ano passado para defender Nablus, tendo-se tornado extremamente popular junto de milhares de jovens palestinianos, recorrendo à divulgação propagandística dos seus ataques contra checkpoints israelitas ou colonatos, através de vídeos no TikTok ou no Telegram. Israel não tem dúvidas em classificar as Brigadas de Jenin e o Lion’s Den como movimentos terroristas, mas a juventude palestiniana vê-os como uma nova geração de resistência, num contexto cada vez mais difícil e dramático para a Cisjordânia e Faixa de Gaza.

Desde os anos 80 que a resistência palestiniana, enquanto movimento “nacional”, tem surgido por ondas, sendo as intifadas o melhor exemplo dessa dinâmica, que se caracterizam por uma certa persistência da violência durante um prolongado período de tempo, estendido aos territórios da Cisjordânia e Faixa de Gaza. É uma reacção à falência do processo negocial e uma válvula de escape da exasperação e desespero acumulados. Assim foi em Dezembro de 1987, no campo de refugiados de Jabalya, no norte da Faixa de Gaza, quando espoletou a primeira intifada, que se iria prolongar durante cinco anos até aos Acordos de Oslo. Tendo-se esfumado o entusiasmo e a esperança em poucos anos, em Setembro de 2000, e com a “ajuda” da provocação intencional do então primeiro-ministro israelita Ariel Sharon, rebentava a segunda intifada no complexo da Mesquita de Al-Aqsa, na cidade velha de Jerusalém.

Abbas leva quase 20 anos de liderança débil e os movimentos históricos palestinianos têm sido impotentes para dar uma resposta aos anseios de uma população jovem, que não tem na sua ainda curta memória qualquer referência das intifadas passadas nem das suas lideranças. Israel vai asfixiando os territórios da Cisjordânia. Nas ruas de Jenin, Nablus ou Ramallah já não há qualquer ilusão, tendo-se instalado a total descrença numa solução negociada. Movimentos com as Brigadas de Jenin ou o Lion’s Den estão agora na linha da frente. As condições estão criadas para que esta nova geração de jovens palestinianos protagonize a sua própria intifada. Tudo vai depender da persistência e da amplitude da violência. Os tempos próximos darão a resposta ao título deste texto.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários