Software canadiano ajuda empresas a sobreviverem às alterações climáticas

Laura Zizzo fundou uma das primeiras firmas de direito dedicadas às alterações climáticas e criou um modelo que ajuda empresas a adaptaram-se aos riscos financeiros. Há portugueses interessados.

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A capacidade de resposta aos fenómenos naturais destrutivos tem de ser uma preocupação de todos e “começa nos líderes”, diz Zizzo EPA/VINCENT JANNINK
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Várias entidades públicas e empresas privadas portuguesas estão “na calha” para adoptarem um software canadiano que ajuda as instituições a identificarem os riscos relacionados com as alterações climáticas, a divulgarem a informação sobre o seu impacto ambiental e a criar estratégias para investir em novas oportunidades de negócio. Chama-se Manifest Climate e foi desenvolvido pela advogada canadiana Laura Zizzo, que fundou em 2009 uma das primeiras firmas de advogados dedicadas às alterações climáticas.

Numa entrevista ao PÚBLICO em Toronto durante o Collision, o evento tecnológico da Web Summit que terminou esta quinta-feira, Zizzo explicou que, num evento em que participou no Reino Unido, “havia várias empresas portuguesas que abordaram” a Maniest Climate porque “estavam a pensar nas divulgações financeiras relacionadas com o clima”. Não divulgou que entidades estão em negociação com a Manifest Climate, mas revelou que uma delas “está na área dos serviços florestais”.

De modo geral, “estamos a ser alvo de muito interesse por serviços financeiros”: “Essa é a nossa maior área, a par do mercado imobiliário. Mas há cada vez mais crescimento em todas as empresas públicas, como mineração e metais, bens de consumo e comércio retalhista”. De acordo com Laura Zizzo, a análise decorrente deste software é mais “consistente e fiável” do que uma revisão efectuada por humanos, sobretudo porque costuma estar nas mãos de advogados pouco experientes e sem conhecimento específico na área ambiental.

Segundo a advogada, a Manifest Climate ajuda as empresas “a entender, a gerir e a divulgar melhor os riscos e as oportunidades climáticos” à luz das orientações que estão a ser divulgadas pelos reguladores. Um deles é a task force para as Divulgações Financeiras Relacionadas com o Clima, estabelecida pelo G20 e pelo Conselho de Estabilidade Financeira (a que pertence a Comissão Europeia), que ordena a disponibilização aos investidores das informações sobre o que as empresas estão a fazer para mitigar os riscos das alterações climáticas.

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Laura Zizzo Manifest Climate

Outro é a Directiva de Informações sobre a Sustentabilidade das Empresas, um novo conjunto de regras europeias que entrou em vigor em Janeiro deste ano e que garante o acesso às informações necessárias para os investidores poderem avaliar os potenciais riscos de investimento decorrentes das alterações climáticas e de outras questões relacionadas com a sustentabilidade. “Todas as informações que constam nessas directivas vão ao encontro daquilo que nós mapeamos”, concretizou Zizzo.

A Manifest Climate é um produto do trabalho de consultoria que a advogada realizou nos últimos 15 anos de actividade, quando analisava a liderança de grandes empresas, a sua estratégia negocial, a gestão de riscos e as metas que tinha no horizonte e as métricas que monitorizada para avaliar a evolução do seu trabalho. “Percebi, a certa altura, que tínhamos dados suficientes para treinar um modelo”, explicou ao PÚBLICO: “Construímos um modelo que aprende com a experiência, à medida que recebe mais dados, e obtém instantaneamente um conjunto de 200 pontos de análise”, incluindo o que está a fazer a concorrência.

A história da empresa começa quando Laura Zizzo tinha 12 anos e começou a interessar-se pelo impacto da acção humana no ambiente: “Já vi entradas nos meus diários nessa altura e percebi que a minha opinião é a mesma. Até se torna aborrecido porque sinto que estou a dizer a mesma coisa há muito tempo”. Durante a faculdade, após ter sido convencida por um professor a seguir a área do direito, dedicou os seus projectos aos estudos ambientais e cruzou-se com o tema da ecologia e da economia. Começou a carreira profissional na área do direito regulatório ambiental, mas isso não bastou.

“O meu chefe à altura disse-me: ‘O nosso modelo de negócio nas grandes empresas de direito é responder às perguntas dos clientes. Eles não estão a responder às perguntas a que tu queres responder, por isso o teu trabalho”, recordou Zizzo. Juntou-se então ao empresário Jeremy Greven e criou a Manifest Climate no fim do ano passado. Agora, a empresa dedica-se a delinear cenários financeiros: “Falamos sobre como é que a liderança pensa sobre o seu negócio à luz de um futuro em que a temperatura média global aumenta para 2ºC. Pode ler sobre como todos os concorrentes estão a falar sobre isto e, com um clique num botão, mostramos a divulgação financeira deles e o que andam a fazer”.

Questionada sobre o que devem as empresas fazer neste momento para se adaptarem e responderem às alterações climáticas, Laura Zizzo deixou dois conselhos. O primeiro é que a resiliência climática e a capacidade de resposta aos fenómenos naturais destrutivos (como cheias, ondas de calor ou tempestades) são temas que não podem estar entregues a um único departamento de uma instituição: tem de ser uma preocupação de todos e “começa nos líderes”.

O segundo é que as empresas devem compreender o impacto que as alterações climáticas já estão a ter nos seus trabalhos — e, por consequência, na sua criatividade. Laura Zizzo mencionou uma estatística do Verão passado que apontava que um terço dos cidadãos norte-americanos foram
afectados por eventos climáticos extremos: “Essas pessoas não trabalharam com os mesmos níveis de produtividade que teriam se não tivessem esse problema”. Ou seja, “o esforço de tornar uma empresa mais resistente também serve para proteger a sua produtividade”.

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