A prudência ofensiva da Ucrânia

A maior certeza que nos deve guiar é a de continuar a apoiar o esforço militar e económico da Ucrânia.

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Há uma semana, o mundo assistia incrédulo a um dos mais inusitados acontecimentos desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022. O líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, reuniu grande parte dos seus mercenários que combatiam na Ucrânia e iniciou o que pareceu ser uma ofensiva em direção a Moscovo. No discurso que marcou o início desta ofensiva, Prigozhin argumentava que Putin tinha enganado os russos sobre a dimensão da ameaça que a Ucrânia constituiria para a própria Rússia, desconsiderando quaisquer potenciais intenções da NATO atacar a Rússia com a possível adesão da Ucrânia à aliança militar ocidental.

Nesse mesmo discurso, o líder do grupo Wagner acusou o Ministério da Defesa e a liderança militar russa de esconderem informação de Putin, em particular da verdadeira dimensão das baixas sofridas pelas forças russas e os reais avanços russos na Ucrânia. Ora, o espaço temporal de uma semana parece claramente insuficiente para que se retirem grandes ilações das consequências deste ato, que durou menos de 24 horas, e a volátil situação militar aconselha prudência na análise. Mas que ilações se podem retirar e que possíveis consequências podemos antecipar?

A primeira questão que nos devemos colocar é o que representa uma insubordinação desta natureza contra a liderança de Putin? De acordo com informação partilhada pelo próprio presidente russo, numa entrevista desta semana, o Kremlin financiou as ações do grupo Wagner com cerca de mil milhões de dólares desde o início da guerra. Acresce que o próprio Prigozhin é uma criação de Putin, tendo por ele sido alimentado e financiado para que o grupo Wagner - que se estima ser um dos maiores exércitos privados do mundo — levasse a cabo ações militares que favoreciam os interesses russos no mundo.

Ora, na sua marcha em direção a Moscovo, e que parou a cerca de 200kms da capital russa, o Grupo Wagner ocupou a cidade Rostov-on-Don, e terá abatido, pelo menos, um helicóptero militar russo, matando os seus ocupantes. Que Prigozhin e os seus homens tenham conseguido semelhante façanha e não tenham sofrido, até ao momento, consequências de maior por parte do regime de Putin, tendo encontrado exílio na Bielorrússia, parece indicar que apesar das ações do Grupo Wagner não terem sido suficientes para fazer cair a liderança do governo Russo mesmo que pareçam ter conduzido ao afastamento ou substituição de algumas cadeias do comando militar, incluindo do ministro da Defesa deixa pelo menos o indício de que a força de Putin poderá estar fragilizada.

Não esqueçamos que a Rússia assenta, logo no nível abaixo do poder controlado por Putin, numa vasta rede de oligarcas, que é determinante para a manutenção do poder russo. Teremos tempo para avaliar as reais consequências desta insurreição, mas parece ser muito forte a possibilidade de que se tenham aberto fendas no muro de poder russo.

A segunda questão é sobre as consequências que podemos retirar para o esforço de guerra russo. O Grupo Wagner tem sido uma parte fundamental das forças militares russas e da ofensiva na Ucrânia. Não descartando a hipótese de que a sua insurreição se possa ter devido, também, a jogos de poder com o Ministro da Defesa e a questões de financiamento e apoio militar exigidos pelo grupo mercenário ao Kremlin, o que resulta desta saída do Wagner da Ucrânia é uma clara perda militar para a Rússia no que diz respeito à sua capacidade de mobilização humana.

Acresce que, a juntar a esta perda de homens na frente de guerra, a Rússia conta já com perdas militares avultadas bastante superiores às eventualmente esperadas no início da invasão o que faz soar campainhas de alarme sobre a sua real capacidade de mobilização humana no continuar da guerra.

A tudo isto devemos juntar o inegável sucesso das sanções económicas que a União e os Estados Unidos aplicaram à Rússia. A contração económica da Rússia é visível em vários indicadores, em particular a redução do seu Produto Interno Bruto que a coloca, neste momento ao nível da Austrália, ou abaixo da Itália. Isto significa que um dos principais argumentos de Putin desde o início da Guerra de que o tempo corria a favor da Rússia e não da Ucrânia parece, também, estar a ser invertido.

A conclusão, não obstante as inúmeras dúvidas que ainda possam permanecer desta situação de grande incerteza que a Rússia parece atravessar neste momento, é que a maior certeza que nos deve guiar é a de continuar a apoiar o esforço militar e económico da Ucrânia. Uma certeza que sai reforçada pela necessidade de capitalizar esta instabilidade Russa e garantir triunfo inequívoco da Ucrânia.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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